DECISÕES INUSITADAS


Falsos e verdadeiros contrastes*

 

Em sua obra Principia iuris, o jurista italiano Luigi Ferrajoli apresenta um sem número de notas bibliográficas.

Estas permitem ao leitor aquilatar a cultura do autor e ingressar em inúmeros temas relevantes.

As notas são lançadas ao término de cada capítulo e apontam para um conhecimento enciclopédico de Ferrajoli.

Este constitucionalista nasceu em Florença e, a partir de 1970, lecionou na Universtà degli Studi di Camerino.

Em 2003 transfere-se para Università Roma Tre, onde é professor emérito de Filosofia do Direito.

Ferrajoli é jurista culto e combativo, ainda no último referendo ocorrido na Itália, quando se buscava grande alteração nos poderes da República, ingressou em dura polêmica com o primeiro ministro Renzi.

As teses que defendeu – todas contra a reforma pretendida – foram vitoriosas. Os eleitores rechaçaram qualquer mudança nos poderes da República.

Mantiveram-se os poderes tais como desenhados pelos constituintes do pós-guerra. Uma vitória do bom senso e das tradições políticas italianas.

Aqui, porém, vamos nos  debruçar sobre a nota n.23 contida no capítulo XV – Los contenidos de la democracia liberal y democracia social.

Ela se mostra atual em face a múltiplos acontecimentos verificados, na área dos costumes, em nosso país.

Dá notícia esta nota de polêmica surgida em agosto de 1948 a partir de decisão proferida pelo Tribunal de Ferrara.

Ferrara é cidade localizada no norte da Itália, na região da Emilia-Romagna, conhecida pelas vitórias do Partido Comunista, durante muitos anos.

A decisão referida, emanada do caso Poldino, é próprio dos momentos de acirramento dos ânimos e das paixões políticas.

Um pai foi separado dos filhos por ser um “perfeito ateo”.

Ou seja, os membros do Tribunal decidiram que aquele que é descrente não pode ser bom orientador de seus filhos.

O caso, conta Ferrajoli, gerou à época rico debate entre juristas peninsulares.

Colocou-se como apoiador da decisão Enrico Allorio e Walter Bigiavi contra a mesma decisão.

Na polêmica, envolveram-se Tulio Ascarelli, Paulo Brile, Francisco Carnelutti e outros.

Registra Ferrajoli que a questão foi resolvida pela sentença da Corte Constitucional n. 117/1979, que equiparou o ateísmo à religiosidade.

As Cortes Constitucionais são caixas de surpresa e, comumente, aqui como lá, marcham contra os valores e a cultura da sociedade.

É só acompanhar o que acontece no Supremo Tribunal Federal pátrio.

 

 

Referência.

 

*Ferrajoli, Luigi – Principia iuris – Teoria del derecho y de la democracia – Editorial Trotta – 2ª edição – 2016

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