CUIDADO, UM DIA PODERÁ SER TARDE


Como se existisse um fio invisível, ligando acontecimentos verificados em tempos diversos, estes, por vezes, se aproximam, como querendo recordar aos contemporâneos situações passadas.

Meras casualidades. Certamente. Mas, estas casualidades não podem ser desprezadas, quando surgem no cotidiano de cada pessoa. Apontam para fatos relevantes. Amargos para a humanidade.

Agora, quando a sociedade e autoridades de relevo debatem os limites de atuação da autoridade policial, ocorre uma oportuna convergência de acontecimentos passados com situações presentes.

A cidadania está de acordo: preservar a lei é positivo e salutar. Mais ainda. É dever. Contudo, sob o pretexto de preservá-la, romper seus próprios limites, é altamente preocupante.

Todos às vezes que isto se deu, feriu-se a legalidade e, portanto, o próprio Estado de Direito. Ou mais diretamente: Foi o início da escalada para o autoritarismo. Este, em passo seguinte, atinge o totalitarismo.

Mas, onde estão as coincidências? São duas. A primeira presente nos meios informativos contemporâneos. A outra recua setenta anos no tempo. As duas recordam momentos dramáticos.

Há poucos dias, foi sepultado em Moscou o escritor Alexander Soljenitsin. Um pensador ingênuo e ao mesmo tempo genial, como o retrataram seus conterrâneos.

Certamente, porque ingênuo, mostrou-se altaneiro ao expor as mazelas dos campos de concentração da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Só os ingênuos possuem a coragem suficiente para expor as mazelas das sociedades. Os espertos, os aproveitadores de todos os tempos, calam-se e buscam fechar os olhos. Convivem cinicamente com a dor alheia.

Soljenitsin, no período perverso do stalinismo, enfrentou o aparelho do Estado e sua polícia e descreveu a barbárie representada pela prisão de milhares de pessoas em campos de trabalho forçado.

Foi condenado à reclusão. Mas, a sua mais conhecida obra – O arquipélago Gulag – fez cair o muro que escondia os horrores praticados pelo socialismo real. Tornou-se grito de alerta contra a perversidade dos totalitarismos.

Ainda no campo das coincidências, uma outra data amarga para a humanidade se aproxima. Em setembro de 1934, o Partido dos Trabalhadores Nacional Socialista Alemão realizou grandiosa convenção.

O trabalho dos marqueteiros da época mostrou-se tão eficaz que o próprio ditador, Adolfo Hitler, ficou surpreso com a grandiosidade do espetáculo. A cidade de Nuremberg transformou-se em palco de uma apoteose.

A polícia especial dos nazistas – a SS – desfilou pelas ruas e produziu demonstrações de superioridade perante seus opositores. A SS era polícia partidária. Não respeitava nenhum um padrão de legalidade.

Agia de conformidade com os desígnios do Chefe. Nada importava a não ser os objetivos impostos pelo nazismo. As mais violentas práticas policiais espalharam-se por toda Europa continental.

Ainda, nos primórdios da implantação do nazismo, surgiu a Lei de Autorização. Uma lei delegada que, a maneira das medidas provisórias, transferiu ao executivo as atividades legislativas.

A partir deste momento, o governo – leia-se a camarilha nazista – pode editar as mais alarmantes normas positivas. Perseguiu os não arianos. Exterminou os portadores de doenças incuráveis. Violou todos os valores.

Coincidências, uma contemporânea – a morte de Soljenitsin – outra remota no tempo. Ambas demonstram como pessoas podem sofrer quando governos não conhecem limites para suas ações.

É oportuno, pois, quando o debate em torno do abuso de autoridade se desenvolve, trazer à superfície obra sobre o totalitarismo soviético e data considerada marco da escalada nazista.

Claro que as situações são aparentemente diversas. No entanto, qualquer das práticas democráticas leva ao conseqüente enfraquecimento do Estado de Direito.

Daí a importância – por intermédio da coincidência – de se produzir um alerta e uma reflexão. Ações policiais são oportunas e inafastáveis para a própria segurança da sociedade.

Romper as normas, no exercício do poder de polícia, não condiz com os princípios de uma verdadeira democracia.

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