CREPÚSCULO


É costume por parte de alguns constitucionalistas enaltecerem a lei fundamental dos Estados Unidos. Apontam para sua longevidade. Afirmam que esta advém da excelência do texto constitucional.

É possível. No entanto, modernamente se inicia, em alguns setores da inteligência norte-americana, profundo debate sobre a Constituição americana.

Apesar das modulações elaboradas pela jurisprudência da Suprema Corte de Justiça, a sua prevalência por mais de dois séculos a tornaram, em determinados dispositivos, anacrônica.
Muitos não desejam ver esta realidade. Continuam exaltando a Constituição norte-americana como: o trabalho mais maravilhoso jamais elaborado em qualquer tempo pelo cérebro e pelo propósito do homem.
A frase eloquente tem muitos seguidores. Muitos patriotas, lá nos Estados Unidos, passaram a sacralizar a obra dos cinquenta e cinco delegados das treze colônias.
É documento sagrado, inspirado por Deus. Lê-se e ouve-se em muitas ocasiões os admiradores do constitucionalismo americano exclamar loas à peça dos Pais Fundadores.
Realmente, para a oportunidade de sua promulgação, a Constituição é digna de registro positivo. Falaram pouco os convencionais e escreveram o necessário. Não permitiram assistência de ninguém.
Proibiram qualquer anotação pelos constituintes. O acesso da imprensa vedado terminantemente. Elaboraram um documento coerente com o pensamento político do Século XVIII.
Foram contraditórios. Apontaram para os benefícios da liberdade. Mantiveram a escravidão.
Na atualidade, um dispositivo constitucional produz perplexidade. Aponta o engessamento do pensamento político americano. As dificuldades mecânicas e a falta de flexibilidade dos legisladores são flagrantes.
Raras são as emendas à Constituição americana. As primeiras se deram logo após a sua promulgação. As famosas primeiras emendas. Entre estas se encontra uma que causa estupefação.
Sabe-se que as colônias enfrentaram dura guerra contra a Inglaterra e a França para obterem a independência. A luta foi sanguinária. Levou à morte milhares de colonos.
As tropas inglesas trucidaram centenas de pessoas. É registrado o massacre de Boston. Muitas as barbaridades cometidas pelas tropas do rei Jorge.
Os colonos defenderam suas propriedades e princípios com suas próprias armas. Lutaram bravamente em busca da independência. Isto os levou a se armarem. Possuir seu próprio arsenal doméstico.
A necessidade de possuir armas – durante a Guerra da Independência – conduziu os legisladores, ao elaborarem as dez emendas, a estatuírem na Segunda Emenda o seguinte:
Sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada, não se impedirá o direito do povo de possuir e portar armas.
O direito ao porte de armas foi levado a sério. É surpreendente, em algumas regiões dos Estados Unidos, as dimensões dos estabelecimentos comerciais de venda de armas.
Verdadeiros shoppings de armamentos. Ninguém proíbe. É direito constitucional. Ninguém o altera. Tornou-se cláusula pétrea. Imutável.
E, assim, a todo o momento surgem novas tragédias: como a de Aurora. Mata-se sem piedade. Fere-se sem qualquer preocupação com os direitos humanos.
Uma sociedade doente é incapaz de ver seus próprios obstáculos à normalidade. Os Estados Unidos constitui uma sociedade considerada vitoriosa. A distância há dúvidas. Onde a vida vale pouco há algo errado.
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