CONSTITUINTE AUTÔNOMA


Durante um largo período, os constitucionalistas tiveram pouco espaço no debate cultural. Encontravam-se marginalizados pelos governos do regime autoritário do pós-1964.

Nas escolas de Direito, os alunos faziam ironias sobre a matéria. Chamavam-na de ficção jurídica. Tinham razão. Os atos institucionais editados pelo regime tomavam todos os espaços.

As Constituições de 1967/1969 traziam em seus artigos finais a preservação dos atos institucionais e resguardavam os efeitos produzidos por suas aplicações.

Em conseqüência, o rol de direitos da pessoa não passava de uma hipocrisia própria dos regimes autoritários. Temem sempre a exibir sua própria face. Exibem a melhor máscara. Escondem a verdadeira feição.

Com a redemocratização, todos se tornaram constitucionalistas. Empresários bens sucedidos compuseram grupo de notáveis. Sindicalistas apresentavam sugestões. Todos, enfim, ofereciam opiniões.

Foi bom. É melhor demonstrar interesse por temas constitucionais do que agir como atuantes vivandeiras, tal como aconteceu durante todo o regime militar. A sociedade se redimiu com o renascimento da democracia.

Quando a abertura política rompeu com todo esplendor, o Congresso Nacional foi transformado em Assembléia Constituinte. Nada bom, mas era o possível na oportunidade.

Uma legitima e originária Assembléia Nacional Constituinte, naquela oportunidade, gerava temores nos quartéis e – apesar de muitos não confessarem – em largos setores da sociedade civil.

Venceram-se aos poucos os preconceitos. Os trabalhos constituintes de 1987/1988 se desenvolveram entre trancos e barrancos. Conceberam, contudo, uma Constituição com alma e cara de Brasil.

Os direitos das pessoas, sempre esquecidos em nossa História, foram arrolados em dezenas de incisos e parágrafos do artigo 5º do documento constitucional. Uma verdadeira declaração de alforria.

Há críticas à amplitude do dispositivo. Registra matérias que melhor estariam em uma legislação infraconstitucional. É verdade. No entanto, em matéria de direitos das pessoas os excessos são salutares.

Tornou-se popular a Constituição de 1988. Atingiu todos os setores da sociedade. Os segmentos populares a conhecem e a utilizam em determinados momentos. Tornou-se instrumento de afirmação.

O documento constitucional em vigor, todavia, pela forma que foi elaborado, apresenta situações complexas em temas fundamentais para o desenvolvimento econômico e social da sociedade.

Um de seus capítulos mais complexos é aquele que trata do Sistema Tributário Nacional. Não avançou. Regrediu, na verdade. Criou obstáculos e tornou a tributação um emaranhado capaz de enlouquecer o mais equilibrado dos cidadãos.

Propiciou, ainda, uma luta fiscal entre os Estados federados. Essa inaceitável ao bom desempenho das finanças públicas e às atividades empresariais.

Fala-se – e muito – em Reforma Tributária. Esta, porém, porque fere interesses dos estados federados e da própria União, é sempre pauta de debate, jamais de solução.

A par do tema tributário, outro assunto está sempre presente no noticiário: a Reforma Política. Fala-se muito e o resultado é a retirada de pauta. Todos sabem onde estão os vícios. Ninguém deseja superá-los.

É normal. Esta reforma, a política, não pode ser realizada pelos políticos. Os seus interesses imediatos, em qualquer alteração, serão postergados. E ninguém opera contra si próprio. Só os abnegados, estes são poucos.

Ora, a partir destas colocações, é oportuno posicionar sob holofotes a idéia que surge timidamente nas páginas dos jornais. A possibilidade de uma Constituinte exclusiva que propiciasse uma reforma constitucional.

Exatamente isto. O Congresso Nacional continuaria exercendo suas atividades normais e uma Assembléia, eleita com objetivo expresso, procederia à atualização da Constituição de 1988.

Parece desproporcional. É útil, porém, sua inserção no cenário político. Não se pode continuar a conviver com mecanismos inibidores do desenvolvimento. Devem-se proteger os pontos essenciais da Constituição.

Só terceiros desinteressados, eleitos com o fim único e específico de modernizar a Constituição – escolhidos pelo povo em eleições diretas e populares – podem realizar esta tarefa.

Os atuais parlamentares já demonstraram que não têm vontade política para a concretização desta tarefa nobre: torna a Constituição de 1988 ainda mais próxima da sociedade.

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