CONSTITUCIONALISTAS INGLESES CLÁSSICOS


 

Chartae libertatum, Carta da Floresta e a Magna Carta, documentos fundamentais das liberdades constitucionais na Inglaterra.

 

 

Em momento tão medíocre como o ora vivido pela política nacional, oportuno  repassar os olhos sobre outras realidades.

Entre elas, uma pouco analisada é a História do Constitucionalismo inglês.

No entanto, as experiências recolhidas nos estudos constitucionais ingleses é relevante.

Todos citam documento fundante, a Magna Carta e, em sua antecessora, a Charta de foreste.

A Carta da Floresta mereceu promulgação quando reinava Henrique III (1207-1272).

Registre-se que, a partir do Século XVI, importantes autores ofereceram ricas contribuições ao pensamento constitucional insular.

Tomás Smith (1513-1577), em sua De Republica Anglorum, aponta que, de acordo com a tradição, acima do rei se encontra a lei.

Como lei, entenda-se, os costumes e os precedentes judiciais.

Fala-se da fundamental law, expressão da razão e, por isto, superior a qualquer vontade particular.

Em determinado momento, a partir da Escócia, surge um movimento em defesa do direito divino dos reis.

O rei se encontrava, de acordo com esta visão, acima da lei.

O que se apresentava como convivência pacífica, entre o rei, o judiciário e o parlamento, tornou-se conflituosa.

Surgem as lutas religiosas.

O rei Henrique VIII cria a Igreja Anglicana.

Esta se opõem a puritanos e a calvinistas.

A par da situação religiosa, reivindicações da burguesia, agrícola e mercantil, passam a conflitar a velha aristocracia agrária feudal.

Agravaram-se os conflitos.

No reinado de Carlos I (1600-1649) a luta entre parlamento e o rei levam a decapitação do soberano, em 1649.

Eclode a Guerra Civil Inglesa (1642-1648).

Assume Oliver Cromwell (1599-1658), militar, político e líder religioso.

Proclama a República e se torna virtual ditador.

A partir deste episódio marcante, surgiram constitucionalistas com formação jurídica.

Entre estes,  reconhecido como o maior teórico da matéria, John Locke (1632-1704).

É autor, entre outras obras, An essay concerning toleration.

A partir do pensamento de Locke, Ricardo Hooker (1554-1600), teólogo anglicano, apesar de protestante, embasa seus estudos na doutrina das leis de Tomás de Aquino.

Hooker escreveu Of law of ecclesiastical polity, obra dirigida contra os calvinistas ingleses, considerados intransigentes.

Concebe Hooker  a lei natural como aquela que a razão humana encontra em si mesma.

Entre as situações limites existentes na História inglesa, coloca-se o conflito entre o rei Carlos I e o parlamento, já acima referido.

Este embate emerge da vontade do rei em impor as decisões da Câmara Estrelada (Star Chamber) sobre as dos tribunais.

A Câmara Estrelada julgava com base na equity, justiça cuja fonte é o rei, e os tribunais com fundamento na common law.

Defendiam os adeptos da equity:

a fonte do direito é o rei e aos juízes cabe tão-somente interpretar a lei.

Não cria-la.

Contra esta posição real, colocou-se frontalmente Eduardo Coke (1552-1634), chief justice e um dos promotores da Petition of right.

Sua obra principal é Institute sof the law of England.

Coke foi o maior aliado do parlamento contra o absolutismo.

Não admitiu Coke a tese de Bacon, que, no reino de Carlos I, formulou proposta de codificação do direito inglês.

A common law, segundo Coke, é a razão conduzida à perfeição no longo curso da história.

Com Coke, nasce o moderno constitucionalismo inglês, herdeiro das tradições medievais e das liberdades inglesas.

Junto com Coke colocou-se Selden (1584-1654), ambos foram promotores da Petition of right.

Em sua obra Ad Fletam, nega a autoridade do Direito Romano na Inglaterra.

A obra, tida como a mais notável de Selden, Mare Clausum ( 1653) que se apresenta como um dos primeiros escritos de Direito Internacional.

Selden, jurisnaturalista, aponta  Deus como  autoridade suprema.

Dele – Deus – deriva a obrigatoriedade universal do direito natural.

Os puritanos, ligados a Cromwell, defendiam que, pela leis da natureza, foram conferidos aos homens direitos inalienáveis.

A obra mais importante desta corrente –Levellers– é de Milton (1608-1674), o poeta de Paraíso Perdido.

Outros expoentes desta corrente são Overton, Liburne, Walawyn, autores de obras esparsas.

Chegaram a redigir um projeto de Constituição, o denominaram Pacto do Povo.

John Lliburne, dito, Free-born (1614-1657), na  mesma época, defende a igualdade dos cidadãos frente a lei positiva.

Aponta que a igualdade é exigência da razão.

Desta corrente, deriva um decisivo individualismo.

A auto-conservação da sociedade é lei fundamental da natureza humana, segundo Henrique Parker.

Defende, como fizeram os calvinistas, a ideia do contrato social, com fundamento na doutrina da queda do homem e da perpétua luta contra o mal.

Aponta:

Em razão do estado de corrupção da humanidade, os governantes comportam-se tiranicamente, daí a necessidade da intervenção da lei natural.

O remédio é fornecido pelo Parlamento, consciência coletiva do povo, salvaguarda contra a tirania.

John Milton (1608-1674), o poeta do Paraíso Perdido, professou ideias republicanas.

Participou duramente na luta contra os Stuart.

A sua obra política mais notável é Areopagitica, nela defende a liberdade de expressão.

Milton aponta:

Todos podem eleger ou cassar o rei, pois nascidas livres as pessoas devem ser governadas por quem lhes parece melhor.

Contemporâneo de Milton, é Harrington (1611-1677).

Sua obra mais conhecida é The commonwelt of Ocean( 1656), a partir das tradições utópicas, dá à guerra civil interpretações históricas com base econômica.

A sua tese:

A  supremacia da lei sobre os governantes.

Indica ser a liberdade do Estado fundada sobre a obediência das leis.

Roberto Filmer (1680) apresenta argumento para a defesa de um absolutismo difuso.

Favoreceu os tory, defensores das prerrogativas reais, contra a posição do whig, que lutavam pelas prerrogativas do parlamento.

A liberdade individual, a posse da terra e de bens pelos súditos é um direito que não pode depender da vontade de ninguém, defende Algernon Sidney (1622-1683).

Vai além.

Aponta que o rei deve estar abaixo da lei, pois é a lei que faz o rei.

Este breve resumo do constitucionalismo inglês clássico demonstra a riqueza do pensamento de um povo que sempre viveu livre.

Pode-se da leitura destas singelas notas retirar-se grande ensinamento para o ciclo político que se vive no Brasil.

Aqui, magistrados e detentores de cargos eletivos imaginam-se acima da lei e senhores absolutos da vontade da cidadania.

Falta-nos um grande choque, como aconteceu na Inglaterra com a breve implantação do regime republicano.

Há excesso de passividade, na atualidade política nacional.

Inexiste conflito baseado em princípios.

Só interesses pessoais medíocres.

Faltam honorabilidade e inteligência.

Sobra esperteza de mais.

Uma tragédia cívica.

 

 

 

Referências

Fassò, Guido – Storia dela filosofia deldiritto – L étà moderna – Il Mulino – 1968 – capitulo: I constituzionalistiinglesi.

Black, Henry Campbell – Black’s Law Dictionary – St. Paul, Minn – West PiublishingCo– 1990.

The American Heritage Dictionary – Houghton Mifflin Company – Boston – 1992.

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