CERTEZA DO DIREITO


No fim das grandes crises históricas os homens se sentem obrigados a exame de consciência, ensina o mestre Piero Calamandrei.

É exatamente o que precisam fazer, no presente, os brasileiros, particularmente os situados em posições proeminentes.

O olhar atento se dirige aos integrantes do Poder Judiciário. Pela importância da missão reservada aos juízes, eles sempre exigem atenção maior.

Reservou-se aos magistrados a importante missão de preservar os valores fundamentais das pessoas: vida, honra, dignidade, integridade física e, não último, mas seguramente de fundamental prevalência, a liberdade.

O ofício de juiz – é ainda o citado mestre que o diz – é o mais árduo a que as pessoas possam ser chamadas. É muito pesado para a fragilidade humana.

Estes pensamentos brotam espontaneamente em razão da presença constante, nos últimos meses, de juízes de primeira e superiores instâncias nas páginas dos jornais e no noticiários televisivos.

Os juízes tornaram-se atores privilegiados da cena sócio-política. Ocuparam o vazio produzido pela inércia dos demais agentes políticos.

Este cenário anômalo leva a indagações oportunas. Um Judiciário extremamente ativo pode ser útil em espaços  reduzidos no tempo.

A continuidade do ativismo judicial conduz a incerteza do Direito. A insegurança às atividades públicas e privadas.

A lei – em sua expressão fria – já não representa os limites para a atuação dos empresários e da cidadania.

Em suas decisões, muitas vezes de profunda natureza política, os juízes alteram atos do Executivo e das casas legislativas.

Avançam em campos estranhos a mera função jurisdicional e violam princípios legais estabelecidos e, o  mais preocupante, normas constitucionais.

Entende-se o destemor de muitos magistrados em tempos de profunda crise política estimulada por inaceitáveis desmandos éticos.

Teme-se, contudo, pela incidência constante das decisões judiciais  em assuntos administrativos e decisões políticas.

Esta incidência pode configurar uma intromissão indevida de um Poder da República em outro, o que causa situações passíveis de gerar anomia.

Um magistrado é um ser humano com predicados e emoções próprias de todas as pessoas. Aquelas geradas pelo cotidiano da vida particular e coletiva.

Afirmam alguns que o Poder Judiciário atua, na presente conjuntura, como um verdadeiro Poder Moderador.

Não parece exata a afirmação. Aquele Poder, inserido na Constituição Imperial de 1824, possuía outros traços.

Permitia, é verdade, ao Imperador intervir nos assuntos políticos. Esta possibilidade, segundo alguns doutrinadores, advinha de sua legitimidade divina, própria das antigas casas reinantes.

Ao Supremo Tribunal Federal e muito menos aos juízes singulares, a Constituição da República conferiu esta legitimidade, ainda porque se vive em um estado laico.

Em momentos de profunda entropia, a atividade da Corte Suprema poderá, em tese – mesmo que ilegitimamente – avançar por meio de interpretações novidadeiras.

Não é conveniente e muito menos oportuno que este tipo de atuação permanece de maneira constante.

Ferirá o equilíbrio previsto pela Constituição para a atuação dos poderes republicanos. Rompe a harmonia e o equilíbrio exigido entre os Poderes.

O mais grave é que a prática continua de atos de duvidosa legalidade conduzem a uma forma camuflada de autoritarismo.

Ou mais claramente, a Ditadura da Toga, aquela que, com aparência de legalidade, pratica os mais agressivos atos contra o Direito.

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