BARCELONA, A EXUBERÂNCIA CONTIDA


Os catalães são exuberantes. Falam e gesticulam com expressividade. Possuem coragem e destemor. Quando da guerra civil espanhola, permaneceram em combate contra o fascismo até a exaustão.

Cultuam seus costumes e seu idioma. Até alguns meses mostravam-se otimistas. Empresários ativos viam perspectivas de negócios em todas as latitudes.

Projetavam números ascendentes para a Catalunha. Previam ampliação do bem estar de seus habitantes. Existia suporte para este otimismo. Barcelona, sua capital, é cidade urbanisticamente exemplar.

Antes de costas para o Mediterrâneo, hoje, graças a intervenções urbanísticas bem sucedidas, passou a conviver com a montanha e as orlas do Mediterrâneo. Tornou-se graciosa e leve. Preservou sua cultura milenar.

O panorama físico permanece imutável. As construções de Gaudi enfeitam sua paisagem. Ruas desenhadas com harmonia cortam seus espaços urbanos.

A gente catalã mudou. Já se notam traços da crise. Preocupação com o amanhã. Os seus acadêmicos analisam os dados econômicos com frio bisturi.

Apontam uma longa recessão. Dez anos. As coisas só começarão a melhorar lá por 2012. Paulatinamente. Como os catalães costumam ser precisos em suas análises, há porque parar para pensar.

As previsões merecem espaços nos grandes jornais da Catalunha. La Vanguardia registra depoimentos. Recolhe análises de professores das universidades locais. Sempre realistas.

O cotidiano da cidade espelha, agora, cenários esquecidos. Os socialistas desfilam em passeata. Volta-se a ouvir o canto da velha e conhecida Internacional Socialista, música de tempos esmaecidos.

Estudantes acorrentam-se. Realizam greve de fome. A cantina universitária foi fechada. Companhia aérea entre a Venezuela e a Espanha suspende seus vôos. Já não há passageiros.

Pequenos episódios. Demonstram, contudo, novo cenário. Os europeus, entre eles os catalães, já não mostram o otimismo de outros tempos. Há desemprego. A construção civil cessa seu crescimento.

Resta esperança. Em momentos de recessão, as pessoas retraem-se e passam a refletir sobre o entorno. A atual crise do capitalismo poderá levar a concepção de novos instrumentos.

As instituições de ensino sediadas em Barcelona contam com professores e pesquisadores de alta reputação. Poderão oferecer novas visões para velhas práticas.

A atual crise financeira mundial parecia inconcebível há poucos meses. Tudo ia conforme o figurino previsto. A mão invisível – prevista por Stuart Mill, o pensador inglês – de repente se recolheu.

O choque foi inevitável. Os gananciosos e trapaceiros de todos os perfis aproveitaram. Deu na especulação geral. Todos procuraram ganhar sem trabalhar.

Alguns poucos amealharam fortunas. Retiram-se antes do naufrágio. A imensa maioria de ingênuos sofre as conseqüências. Faltou autoridade monetária.

Os cidadãos dos países periféricos precisam obter explicações. Aquele que age irresponsavelmente responde pelos seus atos. Os operadores financeiros norte-americanos não podem passar ilesos.

Há tribunais internacionais para crimes contra a humanidade. A atual crise, fruto de inconseqüentes, aponta para a violação do direito à sobrevivência de milhões de pessoas crédulas não iniciadas em finanças.

Os catalões, aqui e ali, mostram o desconforto nas ruas de sua capital. É traço da vitalidade de uma gente que nunca se cala. Nas demais praças de todo mundo, apenas passividade.

Os muitos anos de capitalismo sem limites fragilizaram as vontades individuais. Já não se protesta. O silêncio substitui os impulsos individuais e coletivos. Levam vantagens os espertos.

Só resta andar pela La Rambla. Observar. Há movimento. Continua igual o admirável multicolorido dos alimentos expostos, nos mercados populares. O brilho nos olhos das pessoas mudou, porém.

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