AVIÕES E ÍNDIOS


O Ano da França no Brasil não poderia terminar com maior presença. O presidente francês é recebido pelo seu homógrafo brasileiro com pompa e circunstância. Belos discursos e aquisição de naves de superfície e de profundidade.

Entre navios e submarinos, os dois estados nacionais realizaram negócios de grandeza considerável. Tudo importado da Galerie Lafayette de armamentos. Os brasileiros – desde sempre – gostaram do luxo francês.

Nos tempos da colônia, índios nativos foram exibidos aos reis de França e causaram grande alvoroço. As imagens chegaram até nós e demonstram a curiosidade da corte ao ver personalidades tão exóticas.

Foram além nas observações. Surgiu a figura do “bom selvagem” presente nos estudos políticos de intelectuais, até hoje, lidos e repetidos à exaustão em nossos cursos de Ciência Política e de Direito. Brasileiro adora copiar. Não gosta de criar sobre sua própria realidade.

Mais tarde, já na República Velha, as famílias patrícias-os fazendeiros de café ou os produtores de cana de açúcar-passavam longos períodos em Paris, em busca de descanso e aprendizado de maneiras refinadas.

Conta-se que muitos levavam suas esposas à Cidade Luz para que, lá, na civilização, nascessem seus filhos. Um orgulho. Para que não faltasse, entre as belezas européias, os costumes nativos, vacas de leite eram conduzidas nos navios de passageiros. Leite puro.

O Ano da França, apesar dos esforços de uns poucos persistentes europeizados, não teve repercussão popular. O povão continuou sua vida. Subjetivamente captou que não era festa para nambu, onde jacu não pia.

O acontecimento ia percorrendo seu percurso sem brilho. Este, no entanto, por motivos estranhos aos festejos – ou os festejos buscavam criar clima propício? – vieram, agora, à tona em grande extensão.

Com alegria de criança ao ver brinquedo, as autoridades federais compraram navios e submarinos de origem francesa. Os presidentes trocaram brindes e saudaram o bom negócio. A amizade entre brasileiros e franceses foi comemorada com o tilintar de moedas.

Nem sequer, porém, a primeira dama francesa acompanhou seu marido em sua viagem às terras exóticas destas América Latina. Certamente, preocupou-se com a ferocidade das antas e serpentes tropicais, sem recordar tatus e tamanduás.

Sarkozy chegou e partiu sem a companhia de Carla Bruni. Uma pena. Levou, contudo, bons acordos e excelentes vendas em seu avião presidencial. Assim agem os bons vendedores. Não perdem tempo com o circunstancial. Vale apenas os interesses.

Ainda assim tudo ia bem até que surgisse em cena a verdadeira alma gaulesa. O Ministro da Defesa da França, Hervé Morin, ao se referir aos aviões KC-390 produzidos pela nossa Embraer, a serem adquiridos pelo seu governo, os chamou de “carrinhos de mão voadores”.

Menosprezou um meio de transporte produzido pela indústria aérea nacional. Feriu a imagem de uma das mais prestigiosas conquistas da indústria brasileira. Os aviões da Embraer voam por toda a parte, inclusive nos ares de países tradicionalmente produtores de bons aviões.

Esta frase e todos os demais episódios levam a uma conclusão indiscutível. A compra eventual de novos aviões para a Força Aérea Brasileira não é assunto a ser decidido por uma só pessoa, ainda que o regime de governo seja presidencialista.

Os especialistas de nossa aeronáutica, em decisões coletivas, são indispensáveis na ação de escolha do melhor equipamento. O tema precisa ser conhecido e discutido, inclusive, pelo Congresso Nacional.

Em matéria de indústria aeronáutica, os franceses ainda devem à opinião pública mundial explicação a respeito das falhas de seus equipamentos. O silêncio foi a resposta concedida a todos os usuários de transporte aéreo.

O Ano da França no Brasil merecia melhor epílogo. Um respeito mútuo entre os participantes. Palavras lançadas ao ar sem qualquer cuidado só podem provocar antagonismos. Ou desagrados.

Espera-se novo posicionamento do Ministério da Defesa da França. Soberba e arrogância não ficam bem na moderna diplomacia. Já se foram os tempos das ameaças de canhoneiro sobre os povos distantes.

As autoridades brasileiras precisam contar com discernimento para prosseguir nas negociações. Recolher e expor os motivos da aquisição de qualquer dos equipamentos disponíveis.

As Forças Armadas precisam ser reequipadas. Foram levadas ao sucateamento. Necessitam de novos equipamentos. A compra destes é tema para expertos. Não há como optar por escolha individual.

Muitos governos, no passado, mancharam suas biografias na compra de equipamentos. Em plena democracia, estas transações exigem transparência e, portanto, plena divulgação à sociedade.

Os festejos do Ano da França aproximam-se de seu final. Este não pode ser amesquinhado por erros técnicos ou palavras malsãs. Seria grande equívoco. Demonstraria que a clássica arrogância européia continua presente nos tempos contemporâneos.

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