AUTORITARISMO PELO VOTO


É difícil entender observando apenas o presente. Para ingressar no âmago dos conflitos políticos de cada sociedade, é necessário retornar a seu passado.

Vale este posicionamento – quase acaciano – para todas as coletividades. Não poderia estar alheia a ele a nossa América Latina. Fruto de uma colonização impiedosa que fez da mão-de-obra escrava instrumento de sua avareza.

Desde os primórdios da chegada dos conquistadores, naves repletas de capturados na África aportaram nos portos naturais do Atlântico e do Pacífico.

A par desta tragédia sem igual, os naturais do Continente, os indígenas das mais diferentes etnias, foram espezinhados e suas culturas deformadas, quando não destruídas.

Durante séculos os colonizadores ibéricos, especialmente os espanhóis, diferenciaram, colocando limites de atuação, os segmentos sociais formadores dos diversos territórios.

Ao colonizador todas as benesses e cargos públicos, aos demais – índios, negros e pardos – a humilhação e o tratamento subalterno. Não eram dignos das honrarias oferecidas pelas Cortes européias.

Estes fatores sociais tiveram grande influência nas guerras pela independência na chamada América Espanhola. Os grupos sociais, em diferentes oportunidades, digladiaram-se entre si.

Houve momentos em que a questão racial tomou vulto inesperado. E se tão não bastasse para gerar um conflito entre americanos do sul, ainda existiu a influência da Igreja católica. Esta defendia a preservação da presença da Espanha.

A longa guerra pela independência da Colômbia, Venezuela, Equador, Peru e Bolívia, conheceu lances épicos e batalhas memoráveis, as quais estão registradas no território dos vários países, mediante monumentos grandiosos.

Neste longo conflito – com atos de heroísmo e sofrimento – destacou-se a figura de Simon José Antonio de La Santíssima Trinidad, Simon Bolívar. Venezuelano de sétima geração foi uma figura singular.

Desde jovem, dedicou-se à leitura de autores franceses, de maneira particular às obras de Rousseau e Montesquieu. Sonhava com uma república com perfil iluminista.

Buscou, nas suas primeiras investidas no campo do constitucionalismo, a implantação dos três poderes tradicionais – Executivo, Legislativo e Judiciário – acrescentando, a guisa de um Poder Moderador, um quarto, a que designou de Poder Moral.

Foram os primeiros tempos. Depois, quando de seu retorno a Venezuela, ao encontrar um profundo conflito social, elaborou um documento constitucional que concebeu o presidente vitalício.

Ou seja, uma ditadura disfarçada. Ai começaram os surtos de autoritarismo na Venezuela e demais países sul americanos. Concebeu-se uma democracia eletiva geradora de governos fortes.

Modernamente, o presidencialismo vitalício foi afastado. Restou, como forma de preservação do cargo de presidente da República, o nefasto mecanismo da reeleição.

Os presidentes latino-americanos utilizam-se da máquina estatal, sem qualquer escrúpulo moral, na busca da permanência em seus cargos. Uma forma de violar o bom princípio da alternância no poder.

Isto nasceu há séculos atrás, quando uma presidência vitalícia foi concebida por alguém, que após muitas lutas, imaginou-se o único capaz de conduzir os povos que ajudara a libertar.

A Venezuela sofre, na atualidade, as conseqüências de seu passado e de seus próceres. Não há novidade nos conflitos em curso. É mero reflexo dos tempos passados.

Lamentável o Brasil imitar as novas maneiras de se concretizar os regimes autoritários: pelo voto direito, secreto e universal. A reeleição.

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