AMARGA COMEMORAÇÃO


Os meios de comunicação trazem ao conhecimento da sociedade episódios que, antes, ficavam escondidos no interior dos mais variados segmentos, algumas vezes sem voz e sem identidade.

Sempre aconteceram práticas de violência contra as crianças. Por toda a parte. A moderna literatura escancara episódios de forma amarga e inaceitável.

Em todos os tempos, o incesto e a promiscuidade estiveram presentes em determinados situações. Algumas vezes escondidos pela imensa pobreza e outras pela excessiva opulência.

Em ambas as hipóteses, configuram-se – o incesto e a promiscuidade – como enfermidades graves de ordem psicológica. Quase sempre indicam vontade de posse contra o mais fraco.

Nada mais abominável. Agredir moral e fisicamente uma criança é ato indigno. Merece forte e grave repúdio. Nem sempre, contudo, é assim. Por vezes, motivos díspares afastam uma análise crítica da atitude do adulto.

Ainda agora, toma-se conhecimento de cena degradante. Um padrasto abusou durante longo tempo de sua enteada, menina com apenas nove anos de idade.

Uma criança. Apenas uma criança. No entanto, na sua tenra idade, usada sexualmente, engravida. Uma tragédia de incomensurável dor. Um sentimento de vergonha invade as consciências.

Nenhuma palavra ergueu-se contra o agressor. A hierarquia religiosa romana apenas execrou o ato de equipe médica que, autorizada pela Justiça e pela mãe da menor, afastou a gravidez.

Médico e sua equipe foram excomungados, isto é, excluídos da comunidade religiosa à qual pertencem. Aplicou-se a mais grave das censuras canônicas.

Nada de processo legal. A pena foi aplicada sem qualquer conhecimento dos acusados. A vontade exclusiva da autoridade. Um fundamentalismo excessivo.

Muitas as variáveis presentes. Uma menor indefesa. Um homem rude e sem escala de valores. Uma equipe médica autorizada a romper gravidez indevida. Uma autoridade religiosa de visão dogmática.

No centro da polêmica uma mulher, ainda criança. Aqui, ainda um traço dramático. Tudo ocorreu nos dias que antecederam a data internacional das mulheres.

A coincidência mostra como ainda não existe na sociedade contemporânea, apesar dos avanços, vontade de preservar a mulher em sua fragilidade física. Manter seu corpo inviolável, sem seu expresso consentimento.

Há um machismo milenar nas consciências masculinas. Este ainda coloca a mulher, muitas vezes, como mero objeto, sem consciência e vontade própria.

Pode ser agredida. Se a agressão conduzir ao uso não autorizado de seu útero, nada há a fazer. Aconteceu. Ponto e basta. Sofra a mulher todas as conseqüências de sua condição feminina.

Um absurdo. A situação da mulher necessita ser repensada e reexaminada dentro dos cânones de uma sociedade que procurou oferecer igualdade entre os sexos.

Falsa igualdade, como se constata no amargo episódio da menina de nove anos. Ela, por ser mulher, deve suportar todos os ônus de sua feminilidade. Ser agredida. Portar a gravidez fruto da concupiscência masculina e adulta.

A preservação da atual visão da figura da mulher merece ser revista. Já não se admite ver a mulher como na Idade Média, quando milhares foram sacrificados nas fogueiras inquisitoriais.

Não possuíam culpas individuais. Muitas foram vítimas da luxúria masculina. Esta perdoada pelos mais fúteis motivos. É tempo de repensar a tragédia humana.

Se existe uma verdadeira intenção de tornar a mulher companheira da travessia, torna-se necessário recompor a forma de vê-la e compreender sua fragilidade face à brutalidade da vida contemporânea.

É tempo de mudar. No futuro dia oito de março, lá em 2010, espera-se a verificação de avanços. Autoridades civis e as hierarquias religiosas precisam abandonar velhas condutas.

Na vida há situações e situações. Cada uma com peculariedades próprias. Em cada situação, torna-se necessário um exame de seu perfil. Jogar todas em um mesmo cânone é praticar o pecado da omissão.

print