AGOSTO COM GOSTO


Agosto é mês de desgosto. E de cachorro louco. São expressões elaboradas por nossos antepassados. Podem até possuir traço de verdade. Não há, porém, ao que se saiba, comprovação científica.

A sabedoria popular, certamente, detém raízes profundas. Há quem afirme que os ditados são emanação do Direito Natural, aquele que antecede a própria existência dos humanos.
Estas divagações conectam-se, no momento, com a realidade do quadro político. No próximo mês, no dia dois de agosto, inicia-se o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do conhecido processo do mensalão.
Não importa qual será o resultado. A simples presença de réus ilustres perante uma Corte de Justiça já é algo diferente em uma sociedade useira em proteger os poderosos históricos ou de momento.
O julgamento do mensalão contém, em seu simbolismo, o próprio julgamento da Justiça brasileira. Durante século, ou mais precisamente, desde 1532, a Justiça sempre esteve a serviço do Rei e dos privilegiados.
As amargas crônicas coloniais apontam para os desmandos dos titulares das atividades judicantes do Reino e das autoridades eclesiásticas. A Justiça era instrumento de dominação.
Assim, continuou até a Independência. Não se aperfeiçoou na República Velha e nem sequer após 1930, quando julgamentos de Cortes superiores claramente pendiam a favor dos apaniguados do Poder.
Juízes podiam disputar eleições em condições privilegiadas. Mantinham seus cargos e, ainda, assim apresentavam-se aos pleitos eleitorais. Dominaram o Congresso por longo tempo.
Os segmentos populares apenas serviam para fazer cena eleitoral. Ou ganhar o par de botinas dos coronéis titulares dos currais eleitorais. Uma desgraça.
A Justiça conheceu uma reforma a partir da Emenda 45, de dezembro de 2004. Foi um avanço, particularmente graças à criação do Conselho Nacional de Justiça.
O Judiciário apontado como o mais hermético dos poderes da República teve que expor seus escaninhos. Age lentamente. Não deseja romper o corporativismo inerente a sua História secular.
Houve, no entanto, progresso. Em instâncias inferiores, jovens juízes proferem sentenças a partir do real, distanciando-se – para o bem ou para o mal – de dogmática jurídica, tão a gosto dos reacionários.
É neste mês de agosto – mês de cachorro louco – que o Supremo Tribunal Federal, vértice do sistema Judiciário, será analisado e julgado pela consciência cidadã.
Trinta e oito réus, oriundos alguns dos mais altos escalões da República, serão julgados. Ao julgá-los, o Supremo será objeto de julgamento. Os duzentos milhões de brasileiros observarão cada palavra e cada voto.
É momento decisivo para as instituições. Único. Jamais em toda a trajetória de nossa sociedade conheceu-se episódio igual. A Justiça deixou de dirigir sua atenção para os frágeis.
Exigiu de dignitários partidários e de dirigentes públicos a presença no banco dos réus. Poderão estes ser eventualmente absolvidos. Não importa. Já bastou a presença de cada um na barra do tribunal.
Se tanto não bastasse, na Ilha de Jersey, em pleno Canal Inglês, as contas de empresas receptoras de eventual numerário desviado do Brasil, merecem exame minucioso pelo Judiciário do Reino Unido.
São sinais de uma sociedade nova que vai surgindo paulatinamente. A malversação de numerário público já não é aceita pela sociedade. Os tribunais, exigidos pela cidadania, terão que se manifestar a respeito.
São tempos novos. Há esperança de qualificação futura dos costumes políticos. A amarga herança advinda de tempos passados vai se diluindo. A transparência alterou os costumes centenários. Tudo vai se corporificando em agosto. Os nossos antepassados tinham suas razões.
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