A VERDADEIRA CAUSA DA INDEPENDÊNCIA DA AMÉRICA ESPANHOLA


Quando se fala da independência dos povos de fala espanhola, surgem em primeiro plano as figuras dos libertadores.

Recordam-se os nomes de Artigas, Bolivar, San Martin, O’Higgins,  Sucre, entre outros.

Trata-se de uma aproximação equivocada.

Os movimentos independentistas contaram com matriz altamente sofisticada.

Poucas vezes examinada.

Desde do século XVI, os mestres de Salamanca examinavam os vários aspectos do Poder.

Lá, mestres renomados deram os primeiros traços do moderno Direito Internacional Público.

Basta recordar, neste campo, o nome do dominicano Francisco de Vitória, morto em 1546.

No cenário político, estrito senso, o autor mais festejado é Francisco de Suárez (1617).

Um jesuíta.

Muito antes de Jean Jacques Rousseau, Suárez elaborou traços da teoria da soberania popular.

A par desta conquista intelectual, Suárez,  defensor do Direito Natural,  preserva a soberania real como graça divina.

Os mestres de Salamanca foram conhecidos na América espanhola.

Do México ao Alto Peru, passando pela América Central, os colonizadores espanhóis implantaram universidades.

Nestas instituições, os autores da metrópole eram estudados, examinados, debatidos.

Ora, quando os franceses invadiram a península ibérica, surgiram indagações políticas nas sociedades de fala hispânica da América.

O rei da Espanha – Fernando VII – foi preso e degradado por Napoleão.

O Corso – recorda-se -era considerado um tirano.

Os povos da América não encontravam traços de legitimidade no opressor dos Bourbons.

Ao contrário, viam nele um agressor.

Voltando à Salamanca, Juan de Mariana (1624) concebeu a teoria do tiranicídio.

O rei injusto ou cruel poderia ser apenado com a morte pelos seus súditos.

Ao pensamento dos autores citados – Vitória, Mariana, Suárez – somam-se os acontecimentos de Cádiz.

Nesta cidade espanhola, da orla do Atlântico, refugiaram-se patriotas liberais.

Convocaram e instalaram uma assembleia constituinte para elaboração de um documento constitucional.

Corria o ano de 1812.

Latino-americanos foram chamados para participar dos trabalhos.

Os constituintes de Cádiz conceberam um documento vanguardeiro.

Entre os novos institutos, a criação de Juntas– órgãos legislativos e administrativos eleitos –causou grandes consequencias.

Todos, inclusive os nativos, foram chamados para eleger os membros das Juntas.

Podiam todos, portanto, com exceção dos criminosos, os empregados de servir e os negros,votar*.

A escolha dos membros das Juntas gerou movimentação popular sem precedentes.

A soberania popular exercida em sua plenitude.

As aulas de Suárez, em Salamanca, repercutiam em todos os espaços.

Instaladas as Juntas novo movimento explodiu.

Pensava-se:

O rei está preso em Bayona.

As Juntas administram.

Não há porque respeitar a soberania do rei.

Agora, está vigente a soberania popular.

Esta, produto de origem coletiva.

Possuía, por consequência,competência legitimada por escolha livre.

Os povos entenderam:

a soberania popular consiste na vontade geral.

A vontade geral não se representa: o é ela mesmo, ou é outra; não há termo médio,

ensina o mestre genebrino.

Os latino-americanos, imbuídos da importância da ausência de limites para a soberania popular,buscaram a liberdade.

Desejaram se tornar livres de quaisquer vínculos com a metrópole dominada pelo invasor napoleônico.

Estes elementos foram os catalizadores da independência dos povos hispano-americanos.

  • Conheceram a importância do voto.

  • Conquistaram o auto- governo.

  • Compreenderam a grandeza da soberania popular.

  • Entenderam a existência da morte moral do soberano espanhol, preso de forma degradante.

Os libertadores, no caldo desta corrente de pensamento, travaram batalhas.

Venceram.

Contavam com a solidariedade das populações.

Estas se mostravam ciosas da soberania conquistada pelo voto.

As batalhas contra os espanhóis foram mero corolário.

O fundamental:

A conquista anterior do sentimento de liberdade.

Uma constituição – a de Cádiz – foi agente derradeiro a impulsionar a independência dos povos da América espanhola.

As constituições consistem em hábil instrumento para gerar grandes mudanças.

Observe-se as múltiplas realidades constitucionais.

Recolha-se a produção dos mais diversos povos.

Se constatará a certeza desta assertiva.

 

 

 

 

 

Referências:

Jaime E. Rodriguez o. – La independência de la América española – El Colégio de México – México – 2010.

Luigi Ferrajoli – Principia iuris – Teoria de derecho y de la democracia – Editorial Trotta – 2016.

AntoniTruyol y Serra – História da Filosofia do Direito e do Estado – Instituto de Novas Profissões – Lisboa – 1988.

Pierre Vilar –  Historia de España–Critica – Barcelona – 2008.

*Os Estados Unidos só outorgaram cidadania ao índios em 1924.

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