O cotidiano é tão trepidante que episódios da vida pública poucas vezes merecem registro. Passam sem registros pela maioria da cidadania. É pena. Perdem-se bons e qualificados momentos.
Sabe-se que o sistema de governo no País conta com nítida repartição de poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Os dois primeiros – especialmente o Executivo – contam com cobertura plena dos meios de comunicação.
O Judiciário, no entanto, por tradição histórica, nem sempre conheceu ampla publicidade de seus atos. As decisões mantinham-se entre as partes e dificilmente atingiam a coletividade.
Isto tornou o Judiciário um poder fechado, nem sempre republicano, a serviço de determinados segmentos da sociedade. Alterou-se, contudo, a situação. Hoje as decisões dos magistrados são divulgadas e debatidas.
Se isto vale para todas as instâncias do importante Poder, mais nítida é a relevância do comportamento do Supremo Tribunal Federal. Deixou de ser mero vértice burocrático do Poder.
Transformou-se em gerador de grandes modificações de costumes e de comportamentos. Alterou interpretações legais. Tornou preceitos constitucionais conformes com as exigências das mudanças sociais.
A partir de 1988, o Supremo é conhecido. As suas decisões objeto de análise pelos técnicos do Direito e debate por toda a cidadania. Neste afã de ser guardião da Constituição, por vezes, a alta Corte mostra-se conservadora.
Assim aconteceu com a chamada cláusula de barreira ou desempenho. Aquela inovação, que cortava na carne os interesses dos políticos, sob o fundamento da preservação das minorias, foi considerada inconstitucional.
Por ela, os partidos que não atingissem cinco por cento dos votos nacionais, estariam fora dos incentivos de preservação. Ou seja, o sistema partidário cairia para um número compatível com a dinâmica democrática.
O Supremo Tribunal Federal – neste caso – mostrou-se conservador. Foi pena. Uma evolução positiva sofreu bloqueio. Mas, a Alta Corte, no cômputo geral de suas decisões, merece louvores.
Foi capaz de ingressar em campos arraigados nas tradições burocráticas. Vedou o nepotismo. Proibiu o uso excessivo das algemas. Impediu a truculência do Executivo, em várias ocasiões.
Foi, porém, altamente ativo no combate à corrupção. Os mensalões de todos os partidos sofreram o devido cerceamento. Os ministros demonstraram a plena independência.
Esta boa caminhada da Justiça atingiu seu ápice na semana que se findou. Um governador de unidade federada foi mantido na prisão. Coibiu a interferência da autoridade detida na coleta de provas.
É inédito. Em plena democracia, abaixo do império da lei, uma alta autoridade é presa. Sempre se disse que cadeia não foi feita para ricos e poderosos.
O Supremo acaba de fragilizar este dado do universo coletivo nacional. Prendeu um político no auge de sua popularidade. Trancafiou-o em sala da Polícia Federal. Sem recursos cabíveis, tornou-se mero preso da Justiça.
Foi uma grande conquista da cidadania. A lei vale para todos. Não há espaços ou diferenças entre os bem situados e a plenitude da cidadania. Todos são iguais perante a lei.
Parece que, depois de mais de quinhentos anos, vai se gerando um efetivo estado de direito. O Supremo Tribunal Federal, em sua atual fase, mostra-se o mais atuante agente de transformações.
Desde 1890, ano de sua instalação, o Supremo jamais conheceu tão importante configuração. Ágil – apesar de alguns ministros morosos – ele tem alterado a fisionomia política pátria.
Deve continuar. Participar das reformas políticas. Entender que já não há volta. O Supremo assumiu, dentro dos parâmetros constitucionais, a condição de instrumento de transformações.
Os políticos, por interesses ou por apatia, não foram capazes de caminhar de acordo com as exigências dos tempos contemporâneos. Omitiram-se ou mostram-se incompetentes.
A sociedade olha – agora – para Brasília com o olhar dirigido à Suprema Corte. Os onze ministros têm em suas mãos as esperanças e os anseios da sociedade. Espera-se que não falhem.