A PRIMEIRA, TODOS ESQUECEM


Há acontecimentos que passam despercebidos. Jamais comentados. Sequer em salas de aulas. Mesmo aquelas de Direito Constitucional, hoje disciplina tão presente na vida dos alunos dos cursos jurídicos.

Quando os mestres oferecem o desenvolvimento dos episódios constituintes, partem do ano de 1824. Indicam a Constituição outorgada por D.Pedro I como o primeiro documento consitucional brasileiro.

Erram. É agora boa ocasião apontar e rever o equívoco. Nas vésperas do mês de março, é oportuno recordar um episódio singular de nossa História e da Espanha.

No dia de São José – 19 de março de 1812 – as Cortes de Cádiz editaram um documento revolucionário, apesar de sua publicação por um monarca, Ferdinando VII.

Esta Constituição, a primeira de traço liberal no espaço ibérico, passou a ser conhecida, em razão de sua publicação no dia de São José, por La Pepa, forma carinhosa dos espanhóis para José.

O documento é fruto de uma corte constitucional composta majoritariamente pelos habitantes de Cádiz, cidade marítima localizada entre o Mediterrâneo e o Atlântico.

A situação geográfica de Cádiz a transformou em entreposto comercial. Os ativos comerciantes exigiam liberdade de ação e de pensamento. Já não aceitavam as velhas regras do absolutismo.

Com espírito vanguardeiro, as cortes de Cádiz elaboraram um documento de natureza liberal – em seu sentido clássico – que teve grande repercussão por toda a América Espanhola.

Aqui no Brasil, a chegada dos efeitos da Constituição espanhola foi tardio. Nas ruas do Rio de Janeiro e nas demais regiões do País, no entanto, graças à liberdade de imprensa, rompiam movimentos populares.

Estes movimentos possuem inúmeras vertentes. Alguns lutavam por liberdade individual. Outros, mais profundos, queriam a independência do Brasil. Todos propugnavam por espaços de liberdade.

O clima das ruas tornou-se conflituoso. Em Lisboa, buscavam iniciar os trabalhos para elaboração de uma Constituição para o Reino. Os debates eram demorados. Esbarravam em preconceitos, particularmente contra os brasileiros.

D. João VI não resistiu às pressões. No dia 21 de abril de 1821, decidiu publicar no Palácio da Boa Vista, no Rio de Janeiro, decreto para fazer valer “interinamente a dita constituição espanhola, desde a data do presente até a instalação da constituição…”

A Constituição de Cádiz – que agora completa duzentos anos – passava a ser a primeira constituição outorgada em solo nacional.

Durou pouco, porém, a euforia liberal. Os integrantes da nobreza portuguesa, palacianos habituais das benesses advindas do absolutismo, protestaram veementemente.

No dia 22 do mesmo mês de abril de 1821, o documento editado no dia anterior foi revogado. Argumento: “homens mal intencionados” fizeram chegar ao rei o perigoso documento. Declarado, por isto, nulo.

Aí esta o inicio da História do constitucionalismo pátrio. Repleto de dubiedades e pleno de boas intenções. Estas, porém de curta duração. A primeira Constituição, aqui publicada, teve vigência por vinte e quatro horas.

Poucos conhecem este lance de nossa História. Convém recordá-lo às vésperas do bicentenário dela La Pepa, a Constituição Política da Monarquia Espanhola.

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