A PESTE LEGISLATIVA


A corrupção é recorrente. A busca de vantagem sem a contrapartida do trabalho honesto. O avanço no erário público. O ganho sem causa. Tudo isto e mais alguma coisa é corrupção.

A palavra corrupção, em sua raiz, indica decomposição. Ou seja, o ato de tornar putrefato algo que se encontrava bem. Todos os corpos, se não cuidados, entram em estado de corrupção.

São verdades singelas. Óbvias. A que poucos dão importância. O observador mais atilado constata, no entanto, processo de corrupção em vários cenários que o rodeiam.

Recolhe corrupção nos órgãos da administração pública. Vê componentes de corruptela nas altas finanças. Capta formas de corruptas nos vários segmentos da sociedade.

Vive-se rodeado de formas espúrias de convivência social. Uma, contudo, é pouco lembrada e, por isto, ausente das críticas privadas ou públicas. Todos se acostumaram a ela.

Fala-se, aqui, do corpo de leis. A legislação brasileira, fruto de séculos de atividade dos legisladores, é um organismo repleto de ciladas e, graças a sua complexidade, produtora de corrupção.

O mais competente dos operadores do Direito não conhece todo o arcabouço legislativo em que está envolvido. Nenhum computador, por mais memória que possua, comporta com racionalidade todos os textos em vigor.

Se isto ocorre com o maior dos expertos em Direito, como se encontrará o cidadão perante este cipoal de leis, decretos, regulamentos, portarias e o que mais vier?

Fica atônito. É envolvido nas artimanhas de administradores menos éticos – ou corruptos – e cai nas malhas da legislação, onde normas conflitantes se esbarram a todo o tempo.

Desde o governo Jango Goulart, a administração pública federal não procura consolidar – ou ao menos reunir – todos os diplomas legais em vigor.

Seria obra meritória se os administradores públicos – federais, estaduais e municipais – constituíssem comissões com o objetivo de consolidar as normas e revogar as já superadas pelas situações novas.

O Estado de São Paulo, há cerca de quatro anos, concretizou um trabalho neste sentido. Este, contudo, não teve prosseguimento. A sua dificuldade e a pouca ressonância imediata desanimaram os agentes.

Nada é mais árduo que coordenar um trabalho de consolidação das leis. Poucos são os qualificados para o ato e aqueles que possuem condições e aptidão não contam com a necessária vontade.

Daí tudo fica como está e, como a produção legislativa é continua, o quadro tende sempre a piorar. A corrupção do corpo legislativo é fenômeno crescente.

Chegará momento em que todo o cidadão se transformará em alienado legislativo. Não saberá a que comando legal deve obedecer. Quando a anomia for ainda maior, o caos se implantará na coletividade.

Muitas revoluções e movimentos sociais aconteceram na procura da implantação do Estado de Direito, aquele em que todos – administradores e cidadãos – submetem-se ao império da Lei.

Somente mediante a aplicação deste princípio chega-se a este valor concebido pela civilização: a certeza do Direito. Exatamente o que se encontra violado pela complexidade da legislação pátria.

Não há certeza do Direito quando se desconhece a norma positiva aplicável a situações correntes. A aplicação mediante interpretação ou aproximação entre normas conduz à insegurança.

A insegurança, por sua vez, conduz à corrupção. A História registra personalidades que são lembradas, principalmente, graças às suas atividades legislativas. Ou mais precisamente, por consolidarem legislação existente.

Duas mulheres, neste sentido, merecem registro. Isabel de Castilha – rainha de difícil julgamento – pode ser recordada como autora das Ordenanzas Reales de Castilla que, difundidas pelo espaço ibérico, ajudou a tarefa de unir vários reinos.

Em outro extremo, na Rússia Imperial, outra mulher agiu com coragem e determinação na procura de oferecer a certeza do Direito. Elaborou e fez publicar sua famosa Grande Instrução, um código para monitorar comissão encarregada de redigir as novas leis.

Esta na hora de uma mulher brasileira agir, no campo da legislação, como as duas rainhas da História. As repúblicas têm muito a aprender com o passado.

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