A MAGIA DEMOCRÁTICA


Nada chama atenção no cenário político interno. A pasmaceira de sempre. Rotina. Na Comissão de Finanças da Câmara Federal, acordo entre parlamentares leva ao aumento do valor de suas emendas ao Orçamento.

As artimanhas usuais. Pressão sobre o Executivo. Este cede. Senão, o processo legislativo estanca. Difícil. Muito difícil compreender as práticas parlamentares. São iguais em toda a parte. Não seriam diferentes aqui.

Pelo mundo muitas novidades. George Bush que combateu um Hussein dará posse a outro Hussein, Barack Hussein Obama. Mera casualidade. Ou o acontecimento possui a profundidade dos ciclos inatingíveis.

É bom recordar que o primeiro Hussein, aquele que foi condenado à morte e executado, viveu em terras da antiga Pérsia, berço do esoterismo. Os renascentistas lançaram-se no estudo desta ciência até a exaustão.

Quinhentos anos depois, face às coincidências, alguém voltará a estudar ciências esotéricas. Compreender os caminhos da existência. Tarefa difícil. Longe dos não iniciados.

Obama, ou Barack Hussein Obama, em sua juventude, simboliza o melhor da América. A sua capacidade de aceitar os diferentes, somá-los e integrá-los no seu cenário social.

É exemplo, particularmente para povos erguidos sobre avoengas tradições. Estas tão pesadas que não permitem progressos sociais significativos. Fecham-se em si. Temem o novo.

Os Estados Unidos da América – após tantos episódios frustrantes – volta a oferecer exemplo de democracia. Possibilitar a realização de sonhos. A eterna saga americana retorna à sua caminhada.

Neste cenário de acontecimentos inusitados, na Espanha uma entrevista conduz à perplexidade. Produz interrogações. A Rainha Sofia, ao comemorar seu septuagésimo aniversário, expôs seu pensamento.

Em longas declarações, não abdicou de nenhum tema. Todas as questões formuladas mereceram respostas. Algumas de inusitada coragem. Por exemplo: “Bush meteu seu país em guerras de vingança e destruição”.

Prosseguiu: “Por mais horríveis e assassinos que foram os atentados terroristas de 11-S, não justificam o que o veio depois”. O pensamento da maioria das pessoas. Expresso por uma rainha toma peso incomum.

Não se calou. Ao contrário avançou. Colocou-se frontalmente contrária ao casamento homossexual. Mulheres e homens são diferentes. Física e psicologicamente. As leis civis não podem ignorar as da natureza.

Foi além. Declarou-se contrária às cotas para mulheres nos cargos de governo, diretriz adotada pelo Governo Espanhol. Nada ficou a salvo das observações de Dona Sofia.

É inusitada a entrevista concedida. A pessoa do Rei é inviolável. Não está sujeita à responsabilidade, afirma a Constituição espanhola. Os constitucionalistas poderão indagar se a disposição estende-se à Rainha.

Aguarda-se improvável resposta. Nesta espera constata-se: a imprensa espanhola conferiu recatado tratamento à fala monárquica. Os espanhóis estão divididos entre monarquistas e republicanos. De longa data.

As feridas da Guerra Civil ainda estão expostas. Não se apagarão tão logo. O sofrimento de milhões de combatentes – dos dois lados – encontra-se vivo no cotidiano dos cidadãos das várias autonomias.

Dois acontecimentos. Um de significado universal, a eleição de Barack Hussein Obama, e outro restrito a um país que busca a afirmação democrática, uma mera entrevista de uma rainha.

Em momentos dramáticos, como os vividos em razão da crise econômica, os icebergs vêm à superfície. Trazem verdades recolhidas durante séculos. Por vezes, produzem grandes naufrágios.

Vive-se, na contemporaneidade, situações incomuns. Nas crises, as sociedades fazem experimentações. As mais inusitadas. Personalidades falam. Figuras antes marginalizadas emergem.

Ambos os acontecimentos – a eleição de Obama e a fala de Sofia – deram-se em contextos democráticos. Demonstração inequívoca da capacidade da democracia em suportar situações agudas.

Exemplos a serem colhidos. Uma rainha, nos antigos reinos absolutistas, se falasse, seria penalizada. Um negro, antes, jamais chegaria à presidência dos Estados Unidos, em uma sociedade antes dividida por preconceitos.

Como é bom viver em democracia.

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