A JUSTIÇA CONSTITUCIONAL


A  JUSTIÇA  CONSTITUCIONAL

Nasce uma disciplina autônoma no Brasil e no direito estrangeiro Monica Herman Caggiano       Sumário: 1. A DOUTRINA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ESTADO DE DIREITO E DEMOCRACIA. 2. DO PROCESSO CONSTITUCIONAL. CONCEITO. CONTEÚDO. DIMENSÕES. 2-A. DO PROCESSO CONSTITUCIONAL. UMA DISCIPLINA AUTÔNOMA 3. PROCESSO CONSTITUCIONAL. ORGÃOS ENCARREGADOS E SUAS FUNÇÕES. 4. PROCESSO CONSTITUCIONAL. INSTRUMENTOS. 5. CONCLUSÕES. Palavras-chave: controle de constitucionalidade; judicial review; jurisdição constitucional; processo constitucional; justiça constitucional; direito processual constitucional; direito constitucional processual.              Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo2006

A  JUSTIÇA  CONSTITUCIONAL

Nasce uma disciplina autônoma no Brasil e no direito estrangeiro  Monica Herman Caggiano[1]Professora Associada do Departamento de Direito do Estado da Universidade de São Paulo. Livre-Docente em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito/USP. Professora Titular de Direito Constitucional e Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Assessora Especial do Governador do Estado de São Paulo. Procuradora do Município de São Paulo (1972-1996)

Hoje, tem sabor de lugar comum discutir temas girando em torno do controle de constitucionalidade das leis e atos produzidos pelo Poder Público[2]. A sensação de necessidade de um sistema próprio de vigilância sobre a produção normativa e sobre condutas praticadas pelos detentores do poder, visando assegurar a sua conformização e o respeito à Constituição, já se encontra assente nos ordenamentos jurídicos de todas as  partes.     1.  A DOUTRINA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ESTADO DE DIREITO E DEMOCRACIA.

Há consenso, quase que pacífico, no panorama comandado pela idéia de democracia e pelo ícone em que se transformou o modelo de estado de direito, de que “não basta que a Constituição outorgue garantias; tem, por seu turno, de ser garantida.”, como afirma Jorge Miranda.[3]

Com efeito, o espetáculo expansionista do constitucionalismo[4], a impor a idealização de instrumentos e mecanismos de fiscalização e preservação do Estatuto Fundamental, acompanha a explosão do próprio padrão democrático que o final do século XX e o início do século XXI descortina aos analistas[5]. Isto porque, a presença de uma Constituição, um documento a premodelar o poder, a assegurar governos moderados e o respeito aos direitos fundamentais, passa a se oferecer como um dos pilares da evolução democrática, e, portanto, desta indissociável. E, na exata medida em que a ordem democrática, na modelagem ocidental – que vem sendo instalada em ampliado espectro, a exemplo dos países do Europa leste e África – conquista espaços e a credibilidade dos povos, em tom cada vez mais emergencial se impõe a construção de meios instrumentais para o seu aperfeiçoamento e a sua contínua consonância com as expectativas de permanecer com a áurea de receita política única a privilegiar, prestigiar e assegurar a liberdade no âmbito da comunidade social.

Neste diapasão, ainda, a idéia de Estado de Direito, um figurino que, no dizer de Garcia de Enterría, garante “a convivência dentro ‘de las leyes”; não, porém, quaisquer leis ou normas, apenas e tão somente aquelas produzidas “dentro de la Constitución, por la voluntad popular e com garantía plena de los derechos  humanos ou fundamentales”[6]. A Constituição assume, pois, o status de marco jurídico a preordenar a atuação dos atores do cenário político e, neste desenho institucional – ou, ainda, perseguindo sua preservação – situa-se a exigência de fiscalização e da vigilância quanto ao permanente respeito à Constituição. Sob este aspecto, revela-se o controle de constitucionalidade como manifestação tangível de sua supremacia, buscando abater os obstáculos apostos a sua plena aplicação. Isto, por intermédio de uma atividade jurisdicional apta a oferecer a garantia real da legalidade superior que da Constituição emana e quanto à concreta eficácia desta. Desponta, pois, como um verdadeiro pré-requisito do Estado de Direito[7], espelhando a exigência de observância “da legalidade constitucional, da proteção dos direitos  e da liberdade…”[8].

Depreende-se do exposto que, num primeiro momento, a teoria do controle de constitucionalidade emerge com um perfil defensivo[9]. Reveste-se de natureza instrumental, um mecanismo engendrado especificamente para a tutela da Constituição e, consequentemente, da receita democrática adotada. Em especial, ao longo do período permeado pelas vicissitudes decorrentes das duas grandes guerras mundiais, a matriz norte-americana do judicial review[10], quando transportada para o mundo europeu, encontrou ali território fértil e propício ao seu desenvolvimento, em razão da fragilidade e debilidade das democracias constitucionais jovens e profundamente atingidas por crises de fundo econômico e político.

De se evidenciar que, na conturbada Europa dos anos que se seguiram, principalmente, ao segundo conflito bélico, a inovadora receita do Chief Justice Marshall[11], sob a perspicaz e pontual intervenção de Hans Kelsen, resultou na impactante criação da justiça constitucional, uma esfera jurisdicional específica, incumbida da salvaguarda da Constituição e de sua superioridade. Consubstanciava-se, na realidade, numa arma de defesa; um mecanismo a garantir a preservação da ordem democrático-constitucional diante de ações agressivas antidemocráticas e corrosivas em relação à Constituição. Enfim, sua origem e evolução encontram-se intimamente relacionadas à exigência de se combater crises; figura, pois, como a expressão normativa de uma necessidade lógica e nessa trilha projeta sua evolução.

Pois bem, hoje, o alargamento do panorama democrático, como anunciado tanto por Robert Dahl, no seu “La Democrazia i suoi critici”, como também por Samuel P. Huntington, que oferece uma visão otimista quanto à evolução do processo democrático no “La Tercera Ola. La democratización a finales Del siglo XX” (Piados, Argentina, 1995), constitui uma realidade. Inobstante o avanço verificado, o teorema democrático continua trazendo inquietações e, por mais desta vez, a justiça constitucional e a idéia  do controle de constitucionalidade vêm se apresentar como meios hábeis à manutenção do equilíbrio nas inter-relações sociais e para a preservação da segurança jurídica[12].

Nesta nova missão, a instituição assume, de certo, papel diferenciado. Uma outra perspectiva, uma outra dimensão e nesta sua tarefa passa a envolver a responsabilidade pela interpretação constitucional e, consequentemente, pela aplicação concreta de critérios de interpretação legal resultantes do esforço de hermenêutica. Resume-se, enfim a uma função orientadora. De uma justiça constitucional defensiva aporta, no século XXI, na configuração de uma justiça constitucional de orientação[13].

A certidão de nascimento do denominado “judicial review” ou controle de constitucionalidade é detectada no repertório jurisprudencial norte-americano, em 1803, pelas mãos do juiz John Marshall, Presidente do Supremo Tribunal, no memorável julgamento que envolveu o juiz de paz William Marbury contra James Madison, secretário de    2.  DO PROCESSO  CONSTITUCIONAL.

 CONCEITO. CONTEÚDO. DIMENSÕES.

Estado do Presidente Jefferson[14]. Embora, uma das mais brilhantes invenções do século XIX, o mecanismo não surgiu por acaso e nem foi idealizado a partir de uma fórmula mágica. Para sua emergência vários fatores contribuíram, a exemplo da forte tradição judicial anglosaxônica[15], do modelo constitucional que lhe serviu de respaldo – a Constituição americana de 1787 era escrita e rígida – e o princípio consagrado no referido texto fundamental a assegurar ao Judiciário (juízes) a tarefa de dirimir os litígios, indigitando a norma a aplicar, subordinado-o, porém, à Constituição, como preconizado no seu art. VI, 2, in verbis: “Art. VI, 2 – Esta Constituição e as leis complementares e todos os tratados já celebrados ou por celebrar sob a autoridade dos Estados Unidos constituirão a lei suprema do país; os juízes de todos os Estados serão sujeitos a ela, ficando sem efeito qualquer disposição  em contrário na Constituição ou nas leis de qualquer dos Estados”[16]. (grifo nosso)

A prescrição de Marshall, como já anotado, encantou a Europa no começo do século passado e, sob a firme liderança jurídico-intelectual de Hans Kelsen, inspirou a criação da JUSTIÇA CONSTITUCIONAL, uma nova instituição, conformada de molde a, efetiva e concretamente, garantir o “princípio da compatibilidade vertical” a que se refere Manoel Gonçalves Ferreira Filho[17], ou seja, o perfeito alinhamento do quadro normativo infra-constitucional à Constituição e, conseqüentemente, o prestígio desta, a sua superioridade, o seu privilegiamento e a eficácia de seus preceitos.

A matriz kelseniana, diferentemente da fórmula norte-americana, preconizou a criação de um novo nicho jurisdicional com estrutura organizacional própria: a justiça constitucional – versão européia da doutrina iniciada por Marshall, do “judicial review” – que vem plasmada sobre a idéia da instituição de cortes ou tribunais constitucionais, órgãos que detenham a exclusividade no tocante à preservação da supremacia constitucional e à tutela dos direitos fundamentais que a Constituição garante.

Em verdade, no panorama do velho continente – até mesmo antes de Hans Kelsen criar o primeiro Tribunal Constitucional, quando da feitura da Constituição austríaca de 1920 – já se acenava com a eventual possibilidade de um controle de constitucionalidade da produção legislativa. Vestígios embrionários desta vigilância, o analista irá detectar nas constituições de matiz federalista como a da Suíça de 1874 ou nos estatutos germânicos de 1871[18] e 1919[19].  A fiscalização vislumbrada nestes documentos, contudo, autorizava apenas o controle da legislação periférica (dos cantões ou dos länder), não atingindo a norma emanada do poder central. Distanciando-se, pois, tanto do modelo americano, como também das fórmulas primitivas idealizadas pelos suíços e alemães, Kelsen introduziu a justiça constitucional, um órgão guardião da supremacia da Constituição, encarregado de julgar normas – e não fatos –de apreciar sua conformização ao preceito constitucional, a atestar sua validade pela subsunção aos dispositivos da Lei Maior; enfim, um órgão competente a expulsar da ordem jurídica a norma incompatível com o respeito devido à Constituição. E, exatamente, em razão desta atividade de invalidação de ato normativo, a atuação de controle de constitucionalidade passou a ser examinada sob o prisma de exercício legislativo em sentido negativo.

Mister é registrar, a este passo, que o sistema de vigilância, pautado na criação da justiça constitucional, de inspiração kelseniana, expandiu-se celeremente sob o impulso da crise de reconstrução da Europa e forte influência jurisprudencial, conquistando, sob nuanças e formatos diversos, posição de relevância no desenho constitucional dos Estados modernos, em que se apresenta como instituição obrigatoriamente presente, embora sob diferentes figurinos[20].

 Nessa trajetória evolutiva alargou-se, também, o espectro da justiça constitucional, passando a contar com a criação de novas figuras e novas técnicas a garantir e a robustecer a efetividade e a eficácia do sistema de fiscalização e vigilância quanto à defesa da Lei Maior e tutela dos direitos fundamentais, importando hoje na discussão e estudo do próprio processo constitucional.

Com efeito, desponta, na  contemporaneidade, o processo constitucional considerado como disciplina autônoma; um novo escaninho do direito, provocando polêmica e variada gama de debates que giram não apenas sobre o respectivo conteúdo como, ainda, sobre a que ramo da ciência jurídica estaria vinculada. Há confusão,    inclusive,   no que   2-A.  DO PROCESSO  CONSTITUCIONAL.

UMA DISCIPLINA AUTÔNOMA

toca à própria nomenclatura. Assim, para alguns deveria se falar em “direito processual constitucional”, para outros em “direito constitucional processual”.  Há quem insista em identificar o tema como, originariamente, Kelsen o fêz ao utilizar e celebrizar a expressão “justiça constitucional” ou, ainda, na categoria rotulada de “jurisdição constitucional”.  A rigor, no entanto, inobstante o nomen júris, este nicho do direito – que lança suas raízes profundas no Direito Constitucional – viria a albergar, em todas as suas variantes, a análise (1) dos órgãos designados para exercer a fiscalização quanto à constitucionalidade das leis diante da Constituição (tribunais constitucionais / magistraturas constitucionais); (2) dos instrumentos para tanto utilizados; (3) das competências dos juízes constitucionais; e (4) da observância dos princípios e garantias preconizadas na Lei Fundamental, inclusive as de perfil coletivo, social e difuso.

Ressalta à evidência, portanto, que tratar de processo constitucional importa, ab initio, em delimitar o objeto da investigação. Poder-se-ia, eventualmente, direcionar os estudos para os aspectos processuais, examinando-se os princípios constitucionais assecuratórios da legalidade e da legitimidade da prestação jurisdicional. Não haveria de se ignorar nesse panorama o magistério de Chiovenda que, já em 1903, formulou as bases do “direito processual constitucional”, destacando os vínculos existentes entre a Constituição e o processo judicial que emergem diretamente dos reclamos “do homem para garantir efetivamente seus direitos”. Também relevante a contribuição de Eduardo J. Couture com o seu “Las garantias constitucionales del processo Civil” (1946) que avança no desenvolvimento do tema e de Mauro Cappelletti, que o retoma para, realinhando as características da disciplina, apresentá-la sob um novo perfil, alongado, envolvendo já a questão da tutela dos direitos humanos, os sistemas de controle de constitucionalidade, os direitos e deveres da magistratura constitucional e as técnicas empregadas pelos mecanismos de controle para oferecer eficácia ao princípio da supremacia constitucional[21].

O foco deste trabalho, contudo, não apresenta esta amplitude. Isto porque, neste momento, a investigação resume-se indigitar, no campo do processo constitucional, os sistemas adotados e os respectivos instrumentos, isto é: os órgãos incumbidos do exercício do papel de guardião da Constituição e os mecanismos aptos a acionar e autorizar sua intervenção. Organismos, mecanismos e técnicas de controle configuram, destarte, a perspectiva a preordenar a análise que se pretende efetuar.

A opção por instituir um órgão especial – os Tribunais Constitucionais – para apreciar com exclusividade as questões de natureza constitucional ou, mais precisamente, a observância e o respeito aos princípios do Estatuto Fundamental revela-se reflexo direto da doutrina defendida por Hans Kelsen. Na paisagem dominada pelas tradições anglo-saxônicas, pouco, no entanto, interfere o pensamento   kelseniano.  É    que,     nestes    3.PROCESSO CONSTITUCIONAL.  ORGÃOS ENCARREGADOS E SUAS FUNÇÕES.

domínios não há o temor quanto ao estabelecimento de um mundo monocolor dominado pelo juízes (o governo dos juízes[22]), cometendo-se, exatamente ao Poder Judiciário a tarefa maior de salvaguardar a supremacia constitucional.    Em verdade, a figura dos Tribunais Constitucionais sofreu severas críticas. Célebre o debate que se travou, em 1928, no Institut International de Droit Public, onde a teoria de Kelsen foi severamente atacada por Duguit e Jèze. Carré de Malberg, a seu turno, defendia o modelo francês, que desautorizava o controle da produção parlamentar por terceiros. E, na Alemanha, Carl Schmitt, pautando-se na tese do poder neutro de Benjamin Constant, ofereceu a mais vigorosa oposição às inovações kelsenianas, proclamando competir ao chefe do Estado a defesa da Constituição. Havia, pois, uma determinada postura refratária à implantação da justiça constitucional e esta se fez sentir nos ambientes anglofônicos, como na Grã-Bretanha, Estados Unidos – que permaneceu fiel ao modelo desenhado pelo Chief Justice Marshall – Canadá e Austrália.  No caso específico da Grã-Bretanha, aliás, nem haveria espaço para a aplicação da tese da justiça constitucional, porquanto o Parlamento continua na sua postura soberana. Demais disso, a Constituição britânica apresenta caracteres que lhe são de todo peculiares e que a tornam pouco permeável a um sistema de fiscalização da constitucionalidade da textura normativa. Trata-se de uma Constituição: (a) histórica (origem tradicional e formação evolutiva por lenta e gradual transformação e desenvolvimento de princípios); (b) consuetudinária (desenvolveu-se por intermédio de fixação de práticas e convenções[23]); (c) não escrita (é a constituição invisível, nunca presente nos VadeMecums jurídicos ou coleções legais); (d) flexível (sua mutação independe de procedimento especial; uma nova lei pode reformulá-la). Isto, todavia, não implica na assertiva de que o sistema inglês ignora o controle de constitucionalidade. Este é realizado por órgãos jurisdicionais e se impõe por intermédio de uma linha hierárquica que privilegia o precedente – o stare decisis – impondo aos juízes inferiores o respeito pelas decisões já consolidadas (declaratory precedents). Na hipótese de reorientação, operar-se-á o “overruled” e a substituição dos precedentes.   A fórmula norte-americana, onde marca presença uma Constituição escrita e rígida, esta atribuição é cometida à Suprema Corte que interpreta os preceitos constitucionais, conferindo-lhes conteúdo e aplicação, podendo ampliar ou restringir o seu significado material. Além disso, considerando a dupla atividade de controle – concentrada e difusa – aos juízes[24], de modo geral, também cabe averiguar a constitucionalidade da norma questionada, no exercício de uma atuação prévia à concreta aplicação do atacado preceito.  A atribuição a uma corte suprema da função de guardiã da Constituição, com a incumbência de defendê-la e de lhe preservar o soberano pedestal, é a solução agasalhada, ainda, na Suíça[25], no Canadá e, em ambiente latino-americano, a exemplo do Brasil, Argentina, México, onde, conquanto flagrante a influência do padrão esboçado por Kelsen, não foi institucionalizada a figura do Tribunal Constitucional.        De outra parte, forçoso é convir que o modelo de Kelsen, por razões já expostas e até por se afigurar um mecanismo apto a concorrer para o fortalecimento dos Estados europeus no pós-guerra, acabou sendo acolhido pela grande parte das democracias ocidentais, incorporando-se à ordem constitucional da Áustria, Alemanha, Espanha, Portugal, Chipre, Grécia, Itália, Bélgica (sob a denominação de Tribunal de Arbitragem, em 1993[26]) e França.  Na França, aliás, o desenho do Conselho Constitucional se afasta do padrão original e não assume por completo as funções dos tribunais idealizados pelo chefe da escola do positivismo jurídico – Hans Kelsen, apesar do esforço da doutrina e da jurisprudência – anotados na obra de Luis Favoreu[27] – no sentido da necessidade de robustecimento da “jurisdição constitucional”.  Mais até, a inclusão desta específica instância da justiça constitucional parece ter sido indicada como pré-requisito para o ingresso na Comunidade Européia para as jovens democracias continentais que, ao longo dos anos 90, se libertavam do jugo soviético. Daí a previsão, no desenho institucional, de um Tribunal Constitucional nos moldes germânicos, kelsenianos. Assim é que aderiram ao sistema de justiça constitucional Polônia, Hungria, Romênia, Slovênia, Albânia, Rússia, República Checa e a República Slovaca. E, nas Américas, a instituição encontrou adesão por parte da Constituição guatemalteca de 1965, da chilena de 1980, da peruana de 1979 e da colombiana de 1991.  O quadro infra-transcrito procura ilustrar esta situação, apontando os ordenamentos e os sistemas fiscalizatórios de constitucionalidade que, respectivamente, albergam: Sistema de Corte Suprema X Tribunal Constitucional

Países que adotam

Dispositivo Constitucional

SISTEMA DE

CORTE SUPREMA

+

Controle difuso /incidental

ESTADOS UNIDOS Artigo III
SUIÇA Capítulo IV – Artigo 188
CANADÁ Capítulo XI – Artigo 96/101
BRASIL Capítulo III – Seção II – Artigo 101/103-B
ARGENTINA Capítulo I – Artigo 108
MÉXICO Título III – Capítulo 4 – Artigo 94
      SISTEMA DE

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

ÁUSTRIA Capítulo VI – Artigo 137
ALEMANHA Capítulo IX – Artigo 92/03
ESPANHA Título VI – Artigo 123
PORTUGAL Título VI – Artigo 221
CHIPRE Parte IX – Artigo 133
GRÉCIA Seção V – Capítulo 2 – Artigo 93/100
ITÁLIA Título VI – Seção I – Artigo 134
BÉLGICA Capítulo VI – Artigo 147
FRANÇA Título VII – Artigo 56/63
POLÔNIA Capítulo VII – Seção I – Artigo 188
HUNGRIA Capítulo X – Artigo 47
ROMÊNIA Capítulo VI – Seção I – Artigo 125
SLOVÊNIA Parte IV – Seção F – Artigo 127
ALBÂNIA Parte VIII – Artigo 124
RÚSSIA Capítulo VII – Artigo 125
REPÚBLICA CHECA Artigo 92
REPÚBLICA SLOVACA Capítulo VII – Parte 2 – Artigo 143
GUATEMALA Seção II – Artigo 214
CHILE Capítulo VII – Artigo 81/83
PERU Capítulo V – Artigo 201

  A par da identificação do tipo de órgão contemplado com esta competência, atinente ao processo de fiscalização da inconstitucionalidade, como o rotula Canotilho[28], importa verificar as tarefas conferidas a estes organismos para apreender, adequadamente, o modus operandi dos processos constitucionais, sua amplitude, os pontos em comum e os elementos de discrímen, enfim nos familiarizarmos com modelos diferenciados, porém, calcados no mesmo padrão kelseniano.    Pois bem, em comum, os processos constitucionais envolvem atividade nomofilática[29], defendendo a prevalência da Constituição. Em conseqüência, assumem uma tarefa de perfil político – acentuando, cada vez mais, o fenômeno da politização da justiça – porquanto ao proceder à invalidação de texto normativo se ingressa diretamente no campo da função de legislar. Está-se diante do legislador em sentido negativo. E, nessa condição, os processos constitucionais invadem a esfera da produção normativa interna corporis dos parlamentos, investindo contra seus regimentos internos e atos que a este são peculiares. Poder-se-ía, outrossim, registrar como traço básico dos processos constitucionais o efeito “erga omnes” das respectivas decisões. No entanto, com a ampliação do espectro do processo constitucional, que passou a albergar uma diversificada gama de tipos, esta conotação marca presença tão só no controle abstrato, concentrado, que se processa perante a justiça constitucional, quer a instituição seja representada por órgão específico (Tribunal Constitucional), quer por designação constitucional da mais alta Corte como guardiã do atendimento e respeito da Constituição. Quando a promoção do controle de constitucionalidade é permitida pela técnica difusa, incidental, a declaração de desconformidade, ou a invalidação produz efeitos inter partes[30].    De fato, o desenvolvimento da justiça constitucional implica diretamente na ampliação do número de ações que, hoje, integram a textura do processo constitucional. Isto pelo fato da extensão do quadro de suas funções que passou a integrar: (a) a tutela de direitos fundamentais, viabilizando a proteção das prerrogativas e liberdades constitucionais por intermédio de uma série de instrumentos como é o caso do amparo (Espanha, Argentina, Chile, México, Costa Rica…), do habeas data, do mandado de injunção, da ADIn por omissão, da ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental), ou ainda da ação declaratória de constitucionalidade (ADC). Alinhando-se às duas funções acima, emerge,ainda, a justiça constitucional investida de (b) autoridade suprema eleitoral e, ainda, com a missão (c) de promover a interpretação conforme dos dispositivos constitucionais, estabelecendo critérios e linhas interpretativas para nortear a atuação do Poder Público em geral e não mais limitada ao Judiciário.  De certo que esta atividade alongada da justiça constitucional – com reflexos expansivos imediatos sobre o processo constitucional, que vai se avolumando e diversificando quanto aos tipos de instrumentos e técnicas empregadas – não apresenta e nem poderia oferecer homogeneidade. Daí, evidente a variedade de modelos. O germânico (austríaco e alemão), sem dúvida, é o mais completo e constitui o ponto originário deste movimento de politização da atividade jurisdicional. Neste desenho, o Tribunal Constitucional, talvez o de maior notoriedade de toda a Europa, integra o próprio Poder Judiciário, na configuração mesmo de cúpula (art. 92 da Lei Fundamental). De amplo espectro de atuação, acolhendo todas as funções acima arroladas, a Corte de Karlsruhe inspirou e veio a ser acompanhada de perto em sua evolução pelo padrão espanhol e português.  O modelo italiano encontra-se em estágio menos avançado. A Constituição o previu, no formato de Corte Costituzionale[31], nos seus artigos 134 a 137; porém não o integrou ao Poder Judiciário. Sem competência para adentrar nas questões que lidam com a tutela dos direitos fundamentais, suas tarefas principais incidem sobre tópicos versando controle de constitucionalidade, tanto do tipo abstrato como, ainda, do incidental, ao que deve ser acrescida a tarefa de dirimir conflitos entre os poderes do Estado e entre este e as regiões, de apreciar acusações contra o Presidente da República e contra os Ministros. Na França, o Conselho Constitucional criado pela Constituição de 1958, de perfil claramente político, não integrante da estrutura do apresenta particularidades notórias, como acima já anotado. Sua atuação de vigilância opera sempre de forma preventiva, incidindo sobre projetos de leis e não leis. É verdade que, a partir da reforma constitucional de 1974, quando as minorias parlamentares foram legitimadas para ter acesso ao Conselho, por via de recurso de inconstitucionalidade das leis ordinárias, a atividade desta Corte foi ampliada, abandonando o papel de mero mediador nos conflitos de competências[32]. O Conselho francês, contudo, assume também atribuições em matéria eleitoral.   A justiça constitucional na modelagem portuguesa constitui, em verdade, um dos figurinos que mais interesse desperta por parte dos analistas em razão do amplo quadro em que emoldurou o processo constitucional. De fato foi o Tribunal Constitucional incumbido de múltiplas funções, a par da revisão da constitucionalidade das leis, tratados e atos com valor de lei. Neste sentido, cabe à Corte fiscalizar a atuação da Administração, o processo eleitoral, verificar previamente a constitucionalidade e legalidade dos processos referendários e dos plebiscitos, apreciar a inconstitucionalidade por omissão e, em especial, no tocante ao efeito “erga omnes” – ou como o Estatuto português define: “força obrigatória geral” – o atribui também à hipótese que, por três vezes, tenha sido apreciada pelo Tribunal Constitucional, sendo a norma objeto do ataque declara inconstitucional ou ilegal em todos estes casos[33].

Retomando magistério de Ada Pellegrini Grinover, em obra já clássica, no sentido de que “O processo serve, assim, como instrumento de atuação de certas fórmulas constitucionais, operando a transformação do mero ‘derecho declarado’ em ‘derecho garantizado’”[34], busca-se, nesta última parte do estudo, desvendar e apresentar os meios e técnicas processuais empregados para tornar efetiva a fórmula da supremacia   4.- PROCESSO CONSTITUCIONAL.   INSTRUMENTOS.

constitucional que tem servido de base de sustentação da democracia e garantia da preservação das liberdades. Nessa esteira, a investigação passa a incidir sobre as espécies de ações judiciais que se inserem na plataforma do processo constitucional por objetivarem especificamente a tutela e a preservação da Constituição no seu pedestal soberano.  Pois bem, o escopo do capítulo anterior girou em torno da identificação dos órgãos incumbidos desta ação de controle ou vigilância quanto à constitucionalidade da produção normativa infra-constitucional e das respectivas tarefas. Visualizou-se, assim, a nítida presença de dois sistemas: a) o modelo dominante no velho continente europeu, de influência kelseniana, que confere a apreciação das questões constitucionais a um Tribunal Constitucional; e b) regimes de fiscalização, sob a influência do magistério de Marshall, que adotam um padrão híbrido, autorizando esta fiscalização pela técnica concentrada, nomeando, nesta situação, tão só, a Suprema Corte como guardiã da observância do documento constitucional, e, concomitantemente, admitindo a técnica difusa, pela qual o Poder Judiciário (todo e qualquer juiz) pode vir a deliberar sobre problemas de constitucionalidade.  A este passo, a preocupação estará voltada à análise dos instrumentos utilizados em cada uma dessas plataformas processuais e a sede em que se dá sua concreção. Entre nós apresenta-se extremamente rico o arsenal de instrumentos e técnicas de fiscalização de constitucionalidade. Basta a mais perfunctória leitura da clássica obra de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional[35] – capítulos 5º e 33 – para se ter uma noção da amplitude deste quadro. Tanto pelo sistema difuso (direito de petição, ação popular, hábeas data, mandado de injunção, mandado de segurança), como pela vertente do controle concentrado (ADIn[36], ADCon[37], ADIn por omissão[38], ADPF[39]), que aloja ações de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, o processo constitucional vem se expandindo, compreendendo um megaelenco de ações. É certo que a técnica do processamento, a legitimação para a propositura e o órgão jurisdicional competente para a respectiva apreciação diferem. Todos, no entanto, direcionam-se a preservar o respeito à ordem constitucional. O direito estrangeiro, de certo, não nos oferece uma mostra tão pretensiosa. O amparo é, nos ordenamentos jurídicos de tradição hispânica, a medida usualmente adotada para a defesa dos direitos fundamentais consagrados na Constituição. Importa em mecanismo de tutela de prerrogativas e franquias preconizadas pela Lei Maior e, também, em instrumento de proteção desta mesma Lei Maior. Operando em território comandado pelo sistema de Tribunal Constitucional, destaca-se o amparo como medida de competência privativa desta Corte. Insere-se na categoria de processo constitucional quer em razão da matéria que lhe é própria, quer por força do órgão a que foi atribuída a competência para o processamento. É o caso da Espanha, conforme os arts. 53, 2 e 161, 1, “a”, da Constituição Espanhola. Na Argentina, é utilizado o amparo como medida para a defesa de todos os direitos garantidos pela Constituição, tratados internacionais ou leis, excluído o da liberdade de locomoção, e adotado nos casos de direitos coletivos e do hábeas data (art. 43- C.N.), podendo este remédio ser interposto perante qualquer juiz.  A presença do instituto do amparo é detectada, ainda, na Guatemala (art. 265 da Constituição), Chile (art. 41, § 3 e art. 82 –Constituição), Peru (arts. 200-203 da Constituição), Equador (art. 95-Constituição), Venezuela (art. 27-Constituição), Paraguai (art. 134 – Constituição), Costa Rica (art 48 – constituição) e Bolívia (art. 19 – Constituição).   A seu turno, o art. 105, II, da Constituição dos Estados Unidos Mexicanos, estabelece a competência da Suprema Corte de Justicia para julgar privativamente as chamadas “Acciones de Inconstitucionalidad”. Em verdade, poder-se-ía apontar os modelos português e brasileiro como os de maior sofisticação, pela diversidade de instrumentos e técnicas empregadas para a vigilância quanto ao atendimento e implementação dos dispositivos constitucionais. Na modelagem comandada por Lisboa, esta prática se verifica por via de processos constitucionais de competência do Tribunal Constitucional[40] e engloba, por exemplo, um notável mecanismo fiscalizatório, expresso no art. 280º, 5, pelo qual o Ministério Público tem o dever de recorrer contra decisões que neguem a aplicação de convenção internacional, ato legislativo ou decreto regulamentar.

    1.-  A exigência de um sistema de vigilância quanto ao respeito e atendimento da Constituição, idéia lançada em território norte-americano e desenvolvida em panorama europeu a partir da doutrina de Hans Kelsen, culminou com a idealização de uma variada gama de instrumentos e, até, de uma instância jurisdicional própria. Emerge, daí, a plataforma da justiça constitucional que se expandiu, celeremente, sob o impulso   da   crise   de      CONCLUSÕES

reconstrução da Europa e forte influência jurisprudencial, conquistando, sob nuanças e formatos diversos, posição de relevância no desenho constitucional dos Estados modernos, em que se apresenta como instituição obrigatoriamente presente, embora sob diferentes figurinos.      2.-  A figura do processo constitucional constitui reflexo direto do avanço e da expansão da doutrina do controle de constitucionalidade e sua impositiva presença na Constituição, até como arma de defesa e preservação da qualidade democrática.  Hoje já se debate a eventual possibilidade de considerar o processo constitucional como disciplina autônoma. Aliás, a polêmica é cada vez mais acentuada. Alguns insistem em falar em “direito processual constitucional”; para outros há o “direito constitucional processual”; há quem identifique o tema como, originariamente, Kelsen o fêz ao utilizar e celebrizar a expressão “justiça constitucional” ou, ainda, na categoria rotulada de “jurisdição constitucional”.        3.-  Parece-nos, contudo, que, inobstante o nomen júris, este nicho do direito – que lança suas raízes profundas no Direito Constitucional – viria a albergar, em todas as suas variantes, a análise (1) dos órgãos designados para exercer a fiscalização quanto à constitucionalidade das leis diante da Constituição (tribunais constitucionais / magistraturas constitucionais); (2) dos instrumentos para tanto utilizados, ou seja, das ações judiciais a tanto direcionadas; (3) das competências dos juízes constitucionais; e (4) da observância dos princípios e garantias preconizadas na Lei Fundamental, inclusive as de perfil coletivo, social e difuso.          4.-  Entre nós apresenta-se extremamente rico o arsenal de instrumentos e técnicas de fiscalização de constitucionalidade. Tanto pelo sistema difuso (direito de petição, ação popular, hábeas data, mandado de injunção, mandado de segurança), como pela vertente do controle concentrado (ADIn, ADCon, ADIn por omissão, ADPF), que aloja ações de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, o processo constitucional vem expandido, compreendendo todo este extenso elenco de medidas. É certo que a técnica do processamento, a legitimação para a propositura e o órgão jurisdicional competente para a apreciação diferem de uma para outra. Todas, no entanto, direcionam-se a preservar o respeito à ordem constitucional.        5.- O direito estrangeiro não nos oferece uma mostra tão pretensiosa. Há uma predominância, é certo, do sistema de Tribunal Constitucional. Ademais, nos ordenamentos jurídicos de tradição hispânica, emerge a medida denominada de amparo, como a usualmente adotada na defesa dos direitos fundamentais consagrados na Constituição. Importa em mecanismo de tutela de prerrogativas e franquias preconizadas pela Lei Maior e, também, em instrumento de proteção desta mesma Lei Maior. Operando em território comandado pelo sistema de Tribunal Constitucional, destaca-se o amparo como medida de competência privativa desta Corte. Insere-se na categoria de processo constitucional quer em razão da matéria que lhe é própria, quer por força do órgão em cuja sede deve ser processado. Em verdade, neste quadro, sucintamente elaborado, pode-se registrar o modelo português como de maior grau de sofisticação pela diversidade de instrumentos e técnicas empregadas para a vigilância quanto ao atendimento e implementação dos dispositivos constitucionais. Na modelagem comandada por Lisboa, esta prática se verifica por via de processos constitucionais de competência do Tribunal Constitucional e engloba, por exemplo, um notável mecanismo fiscalizatório, expresso no art. 280º, 5, pelo qual o Ministério Público tem o dever de recorrer contra decisões que neguem a aplicação de convenção internacional, ato legislativo ou decreto regulamentar.        6.-  A modelagem germânica, construída e desenvolvida a partir da matriz kelseniana, se apresenta como o que maior impacto de influência operou sobre a evolução e o alongamento do sistema de Tribunal Constitucional. A Corte de Karluhe, a mais relevante de toda a Europa, é também responsável por esta remodelação quanto à finalidade do processo constitucional e, em especial, da atividade de fiscalização de constitucionalidade, operando esta transmutação de perfil: de uma jurisdição constitucional defensiva para jurisdição constitucional de orientação.


[1] Este trabalho foi apresentado, originariamente, no 15º Encontro de Direito Constitucional,promovido pelo Instituto Pimenta Bueno – Associação Brasileira dos Constitucionalistas, em setembro de 2006. Por tratar  do tema – Justiça Constitucional – no ambiente do direito comparado, entendi afigurar-se apto a integrar uma obra em homenagem ao Professor Doutor GUIDO FERNANDO SILVA SOARES, ilustre personalidade da área das relações internacionais e eminente Coordenador do 1º Curso de Relações Internacionais da USP.

[2] Relevante ressaltar que nas democracias clássicas não há a figura da jurisdição constitucional e muito menos a previsão de um Tribunal Constitucional. De fato, até o final do primeiro conflito bélico mundial (1945), na Europa, a instituição só era prevista pela Constituição da Áustria e da Espanha de 1931 e nos Estados Unidos da América reinava a doutrina do judicial review, difundida a partir do memorável caso William Marbury contra James Madison. Na segunda metade do século XX, no entanto, a maior parte das novas constituições passou a tratar desta matéria e inseriu a figura do Tribunal Constitucional (Itália, Alemanha, Chipre, Grécia, Portugal). A expansão afirmou-se com o fim do império soviético (anos 90) quando os países do leste europeu, a seu turno, passaram a cuidar do controle de constitucionalidade das leis pelo sistema kelseniano, criando e instalando Tribunais constitucionais. Ver MENAUT, Antonio Carlos Pereira, Teoria Constitucional, Santiago de Chile, Chile, Editorial Jurídica, ConoSur Ltda., 1998, p. 321 e seguintes.

[3] “Contributo Para Uma Teoria da Inconstitucionalidade”, Coimbra Editora, 1996, Portugal, p. 76/77.

[4] O constitucionalismo, – registra FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, constitui o“movimento político e jurídico” direcionado a “estabelecer em toda parte regimes constitucionais, quer dizer governos moderados, limitados em seus poderes, submetidos a Constituições escritas”– ver Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2003.

[5] Neste sentido registre-se a devolução do poder aos civis na América Latina e a expansão da fórmula ocidental, democrática, para o leste europeu. Após a queda do Muro de Berlin, o mundo monocolor soviético implodiu, surgindo democracias modeladas de acordo com o padrão arquitetônico desenvolvido a partir da célebre receita proclamada por Lincoln “o governo do povo, pelo povo e para o povo”- ( Gettysburg Adress, in Great Issues in American HistoryHofstadter, Richard, N.York, Vintage Books, 1958, p. 414.)
[6] GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo, Princípio de legalidad, Estado material de derecho, y facultades interpretativas y constructivas de la jurisprudencia en la Constitución, in Revista Espanhola de Direito Constitucional, n. 10, p. 12, 1984.
[7] Sobre a noção ESTADO DE DIREITO e seus princípios de regência,ver ainda FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2005; Direitos Humanos Fundamentais, Saraiva, São Paulo, 2005.
[8] CONDE, Enrique Alvarez, Curso de Derecho Constitucional, Madrid, Tecnos, 1997, p. 287.
[9] O perfil defensivo, aliás, foi sendo absorvido por força da influência da doutrina alemã. É da Alemanha a origem da expressão “defesa da Constituição” (Verfassungsschutz).
[10] Ver o capítulo 2 deste trabalho.

[11] Ver o capítulo 2 deste trabalho.

[12] A doutrina da segurança jurídica se fortalece sob o impacto da “jurisdição constitucional”. Ademais, essa teoria ganha novos contornos e nova consistência no panorama europeu, tema tratado no nosso Legislação Eleitoral e Hermenêutica Política X Segurança Jurídica, Barueri, SP, Manole e Centro de Estudos Políticos e Sociais – CEPES, 2006.

[13] Não é outra, nos parece, a posição do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, em pronunciamento sobre Os Efeitos das Decisões de Inconstitucionalidade:Técnicas de decisão em sede de Controle de Constitucionalidade, palestra proferida no dia 03 de junho de 2005, na Escola Superior de Direito Constitucional – in Revista Brasileira de DIREITO CONSTITUCIONAL, janeiro/junho 2005, n. 5, p. 443-464. Nesta ocasião é que o Ministro Gilmar Mendes refere-se à experiência brasileira, rotulando o nosso tradicional modelo de controle de constitucionalidade como binário.

[14] William Marbury tinha sido nomeado juiz de paz para o Distrito de Colômbia por Marshall quando este era Secretário de Estado do Presidente Adams e Marbury, Secretário de Estado do Presidente Jefferson, sucessor de Adams, não queria reconhecer a nomeação.

[15] A Constituição norte-americana sob a influência da tradição anglosaxônica consagra de forma inequívoca a tendência judicializante, proclamando: “Art. III, 1 – O Poder Judiciário dos Estados Unidos será investido em uma Suprema Corte e nos tribunais inferiores que forem oportunamente estabelecidos….” ; Art. III, 2.1 – A competência do Poder Judiciário se estenderá a todos os casos de aplicação da lei e da equidade ocorridos sob a presente Constituição….”  in Constituições do Brasil e Constituições Estrangeiras, Brasília, Senado Federal, 1987, p. 425.
[16] In Constituições do Brasil e Constituições Estrangeiras, Brasília, Senado Federal, 1987, p. 427.
[17]  Curso de Direito Constitucional, op. cit. p.
[18] O artigo 2º da Constituição alemã de 1871 preconizava a supremacia das leis do Reichsobre o direito editado no âmbito dos länder. Consubstanciava-se numa cláusula de prevalência, cláusula que já era prevista na Constituição de 1849 (art. 66) e, posteriormente, na Constituição de Weimar, de 1919.
[19] O art. 13.1 continha referida cláusula de prevalência de que trata a nota anterior.

[20] Poderíamos apontar, no presente momento, três diferentes técnicas de controle de constitucionalidade: a) o modelo clássico do  “judicial review” oriundo da célebre decisão do Chief  Justice Marshall e que domina o panorama norte-americano, servindo de padrão, ainda, para o modelo agasalhado em panorama doméstico; b) o modelo da fiscalização política, adotado em espectro francês; c) o modelo de fiscalização jurisdicional concentrada em Tribunal Constitucional, fórmula que agrega elementos extraídos de natureza política que vem temperar  o padrão judiciário que se afigura predominante. SILVA, José Afonso da ,Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros Editores, 2000, no tocante às espécies de controle de constitucionalidade já idealizados, oferece a seguinte tipologia: a)“controle político – o que entrega a verificação da inconstitucionalidade a órgãos de natureza política, ….como o Conseil  Constitutionnel da vigente Constituição francesa de 1958..”; b) “o controle jurisdicional – generalizado hoje em dia, denominado ”judicial review”  nos Estados Unidos da América do Norte, é a faculdade de que as constituições outorgam ao Poder Judiciário de declarar inconstitucionalidade de lei e de outros atos do Poder Público que contrariem, formal ou materialmente, preceitos ou princípios constitucionais” e  c) “o controle misto – realiza-se quando a constituição submete certas categorias de leis ao controle político e outras ao controle jurisdicional, como ocorre na Suíça, onde as leis federais ficam sob controle político da Assembléia  Nacional e as leis locais sob o controle jurisdicional”. (p. 51).

[21] Entre nós, os temas referentes aos princípios constitucionais do processo foram tratados por Ada Pellegrini Grinover, Cândido Dinamarco, Kazuo Watanabe… .
[22] Esta aversão é própria dos ideais introduzidos pelo pensamento iluminista, revolucionário, francês, do século XVIII, que enaltecia o Parlamento como órgão não sujeito a controles. O seu produto – a lei – configurava a expressão da vontade geral (art. 6º, DDHC de 1789) que traduziria, exatamente, a vontade dos cidadãos.

[23] Neste sentido é que BRYCE a definiu como “um conjunto de precedentes guardados na memória dos homens ou confiados às escrituras; decisões de juristas e estadistas; de costumes, usos, acordos e entendimentos respaldados nos métodos de governo, juntamente com determinados estatutos.” – BRYCE, James, Constituciones flexibles y Constituciones rígidas, Centro de Estudos Constitucionales, Madrid, 1988, p. 17.

[24] A tutela da Constituição como atribuição dos juízes já era defendida por HAMILTON no célebre “The Federalist”, onde registrava que, dentre os deveres dos juízes, deveria constar o de zelar pela intangibilidade da Constituição e a possibilidade de declarar nulos os atos do Legislativo que a contrariassem e, para tanto, deveria estar assegurada a independência dos Tribunais.
[25] Na Suíça, a tarefa do controle de constitucionalidade é outorgada ao Tribunal Federal (art. 113); esta função resume-se, contudo, à apreciação da compatibilidade da lei editada pelos cantões e não pela promulgada pelo poder central (lei federal). – ver mais: DE VERGOTTINI, Giuseppe, Diritto Costituzionale Comparato, Sesta Edizione, Padova, Itália, CEDAM, 2004 – p. 193, v.1.
[26] Sobre a Cour D’arbitrage, instalada na Bélgica, ver também DE VERGOTTINI, Giuseppe,Diritto Costituzionale Comparato, Sesta Edizione, Padova, Itália, CEDAM, 2004 – p. 193, v.1.
[27] O Professor FAVOREU, Louis, que faleceu em 2004, foi um dos mais corajosos defensores e um hábil divulgador da imposição de aprimoramento e expansão da justiça constitucional na Europa. Dirigiu durante longo período o Grupo de Estudos e de Pesquisas sobre a Justiça Constitucional da Universidade d’Aix-Marseille III.
[28] Canotilho, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Portugal, Livraria Almedina, p. 951 e seguintes.
[29] Sobre o tema ver MENAUT, Antonio Carlos Pereira, Teoria Constitucional, Santiago de Chile, Chile, Editorial Jurídica, ConoSur Ltda., 1998, p. 331.
[30] Interessante se apresenta a solução portuguesa (v. infra) que autoriza cometer efeito “erga omnes” às decisões do Tribunal Constitucional que, pela terceira vez declaram a inconstitucionalidade de norma legal. (art. 281, Par. 3º Constituição portuguesa).
[31] Sobre a Corte Costituzionale de Roma, ver ainda a obra de DE VERGOTTINI, Giuseppe,Diritto Costituzionale Comparato, Sesta Edizione, Padova, Itália, CEDAM, 2004.
[32] Sobre o Conselho Constitucional francês e seu desempenho ver FAVOREU, Louis,Recueil de Jurisprudence Constitutionnelle, Paris, França, Litec, 1994.
[33] Ver  art. 281º, 3 da Constituição portuguesa.

[34] GRINOVER, Ada Pellegrini, As Garantias Constitucionais do Direito de Ação, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1973, p 14. (Neste trecho da referida obra, a autora faz menção à lição de  Burgoa, El Juicio de Amparo, 1950).

[35] Obra já citada. Ver, ainda, a edição n. 32, de 2006.

[36] Ação Direta de Inconstitucionalidade (Art. 102, I, “a” da Constituição Federal e Lei 9.868/99)

[37] Ação Declaratória de Constitucionalidade (Art. 102, I, “a” da Constituição Federal e Lei 9.868/99)

[38] Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (Art. 103, §2º)

[39] Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (Art. 102, §1ºda Constituição Federal e Lei 9.882/99)

[40] Vide o art. 223º da Constituição da República Portuguesa.

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