A HISTÓRIA COBRA AOS INSENSATOS


Em dezembro de 1948 – há, portanto, sessenta anos – a Organização das Nações Unidas, após dois anos de debates, aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Eram tempos difíceis. A Segunda Grande Guerra terminara. O comunismo se encontrava presente no leste europeu e em grandes espaços da Ásia e África.

Estas dificuldades exigiram grande cuidado na redação do documento. Ele, porém, pode consagrar os princípios liberais clássicos sobre a liberdade e os novos direitos sociais e econômicos advindos do pensamento socialista.

A Declaração recolhe o produto de seculares conflitos de idéias e posições desenvolvidos no Ocidente. Alguns autores apontam passagens de livros sagrados como fontes primárias do documento da ONU.

Uma análise isenta, todavia, registra, como origem direta da Declaração, as três grandes revoluções: a Inglesa, a Americana e a Francesa. O cerne destes movimentos vincula-se claramente com os direitos das pessoas.

Muitas as personalidades a serem lembradas. No entanto, pela proximidade da data de sua morte – 1809 – e, ainda, pela singeleza de seu pensamento sobre os direitos da pessoa, uma merece lembrança. É Tom Paine.

Afigura-se como típica personagem do Século XVIII. Cheia de vibração cívica e acendrado amor à liberdade. O céu sabe colocar preço em seus bens. Seria estranho que a liberdade não tivesse um alto preço, afirmava Paine de maneira eloqüente.

Lutou pela liberdade. Mas não só. Possuía sensibilidade para captar os acontecimentos sociais que se desenvolviam ao seu redor. Temia pelos conflitos entre iguais. Sabia que estes deixam amarga herança.

A sua imagem e seus pensamentos surgem, espontaneamente, na realidade brasileira contemporânea, quando, sob pretexto de restaurar a lei, governos agem duramente contra civis.

Paine conviveu com situações análogas no decorrer da Revolução Americana e, depois, durante episódios da Revolução Francesa. Viu a violência contra pessoas indefesas. Revoltou-se.

As mortes indiscriminadas levaram o humanista a um desabafo e ao mesmo tempo a uma advertência:

“Os espetáculos cruéis, presenciados pelo povo, destroem neste a ternura e excitam para a vingança; a baixa e falsa idéia de governar os homens pelo terror, em lugar de pela razão, faz com que aqueles espetáculos se convertam em precedentes. O governo pelo terror só trata de agir sobre as mais pobres camadas sociais, e é precisamente nestas que produz os piores efeitos.”

Paine escrevia em resposta ao conservador Edmond Burke. Captou com acuidade a vontade permanente do conservadorismo sem nenhuma visão social.

Este posicionamento é tolo. Gera ódios e estes podem ampliar as fossas existentes entre os vários segmentos sociais. Oportuno seria realizar campanhas de esclarecimento pelos meios de comunicação.

Demonstrar o equívoco de se conviver com a má vida. Utilizar de um serviço de informações isento para identificar praticantes de delitos. Jamais agir indiscriminadamente contra comunidades inteiras.

Após a morte pelas armas, os corpos arrastados pelas vielas, terão um preço. É ainda o próprio Paine que recorda:

“É possível que se diga que não significa nada o que se faz a um homem depois de morto; porém significa muito para os vivos; tortura os sentimentos ou endurece os seus corações, e em qualquer dos casos os ensina como castigar, quando tiverem o poder em suas mãos”.

É tempo de refletir. Chegou-se muito longe em ações beligerantes contra pessoas e suas comunidades. A revisão de métodos de ação torna-se urgente. Prosseguir é criar fossas na sociedade.

Aqui, mais uma vez, Paine merece ser recordado. Registrou, com sua costumeira capacidade de captar verdades, que a sociedade é o resultado de nossa necessidade de viver em coletivo.

Viver em sociedade fomenta nossa felicidade positivamente. Une afeições. Os governos, ao contrário, são produtos de nossas maldades. Agem sempre de forma negativa. Devem, por isto, ser limitados em suas ações.

Muitos dirão que é puro romantismo o pensamento do autor anglo-americano. É possível. Às vezes, porém, a visão romântica permite recolher os excessos dos governantes.

É hora de se retornar ao bom senso. Chega de mortes indiscriminadas. De ações que dividem, ao invés de somar pessoas em torno de valores comuns.

A História cobra os insensatos.

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