Há profunda insensibilidade em nossa sociedade. Quem percorre os centros históricos da maioria das capitais dos Estados brasileiros recolhe um cenário degradante.
Seres humanos lançam-se pelas calçadas e nos desvãos de velhos ou novos edifícios. Retratam a profunda indigência moral de nossa sociedade. Mulheres e homens maltrapilhos, envoltos em velhos tecidos ou sobras de papéis.
Quando este cenário é observado em datas festivas, como o Natal, o sentimento de culpa e frustração torna-se ilimitado. Perante a realidade, a pior das descrições apresenta-se tênue.
Entre monumentos em homenagem às glórias do passado, erguidos em outros tempos, mortos vivos jazem. Corpos humanos sem força e sem esperança. Arrasados pelas desditas da existência ou vencidos pelas imposições sociais.
Os observadores poderão oferecer opiniões diversas. Os frios e deterministas apontarão para um irreversível darwinismo social. Os fracos sucumbem perante o imponderável da vida, afirmarão.
Muitos dirão: é deplorável. Cerrarão, prontamente, os vidros de seus automóveis e continuarão a trajetória. A vida é assim mesmo. Alguns vencem. Outros soçobram, filosofarão.
A maioria, certamente, evitará o centro urbano. É melhor não ver. Para que atormentar a própria consciência ? E assim o barco vai.
A pobreza voluntária pode ser opção vivida para muitos. Particularmente, os religiosos de matriz católica. A indigência, contudo, jamais se apresentou como maneira de viver.
Entre seus deveres, as pessoas contam com a obrigação de se preservar. Representantes do lumpenproletariado, muitos destes destituídos, porém, carecem de qualquer possibilidade de se auto ajudar.
Encontram-se tomados pelo alcoolismo. Viciados nas drogas mais fatais. Fragilizados por carências alimentares. Tomados por doença mentais, as mais diversas.
Aqui a grande indagação. Os estudiosos, particularmente italianos, em período do Século passado, concluíram: as internações de portadores de anomalias mentais eram contraproducentes.
As famílias acompanhariam de maneira mais sensível o desenvolvimentos dos pacientes. O passo seguinte é conhecido. Os estabelecimentos de internação coletiva fecharam. Os internos liberados.
Os governantes aplaudiram. Os custos operacionais do Estado diminuíam. Vivia-se um neoliberalismo econômico às últimas conseqüências. Só importava reduzir as despesas. O social pouco sensibilizava.
Os anos da euforia neoliberal ficaram para trás. Não se retornou ao estado paternalista pleno, mas abriu-se os olhos para as inúmeras carências sociais existentes no Brasil.
Ora, entre as fragilidades de nossa sociedade se encontra, em graus variados, a dissolução dos vínculos familiares. Muitas pessoas, particularmente mulheres, preservam suas proles, sem qualquer apoio de seus parceiros.
Em momento expressivo, os nossos parlamentares conceberam e elevaram à altura constitucional a figura do ente familiar. Expressão nítida de uma situação nova, onde a família tradicional perdia contornos.
Dentro dessa cenário, impõe-se a realização de um censo específico em nossas capitais e maiores cidades. Captar o motivo que levou a cada um dos desprotegidos a procurar as ruas como seu espaço.
Em ação concomitante, equipes de psicólogos e psiquiatras procederiam entrevistas necessárias para aquilatar o estado de cada um dos muitos sem teto jogados nas ruas e praças das cidades.
Missões difíceis, mas indispensáveis. A dramática visão dos fins de tarde, quando os desvalidos chegam a seus aconchegos, desvãos e minúsculos espaços, não pode perdurar.
Abnegados procuram romper este circulo infernal. Essa ação necessita atingir as esferas governamentais. A cidadania espera dos governantes o olhar atento e humano. Não pode perdurar a situação presente nos centros urbanos de nossas cidades. É indigência moral.
Sempre existirão pobres, mas a justiça social exige esforços para se eliminar a indigência e o sofrimento. É bíblico: as raposas têm tocas e os pássaros dos céus, ninhos. É indecente ver os humanos ao relento.