VIDEOVIGILÂNCIA


Há cerca de oitocentos anos, eclodiam revoltas e emergiam movimentos de grande relevância para cada pessoa em particular. Aconteceram na Hungria, Itália, Espanha e Inglaterra. Os burgos e os reinos fervilhavam.

Os senhores feudais e reis concediam a seus súditos, por vontade própria ou forçados pelos acontecimentos, os primeiros enunciados de diversos direitos humanos.

Nas manifestações, entre outros direitos, os súditos pediam – e os senhores concederam – a proteção à intimidade. O direito de cada pessoa se recolher, sem ser perturbado, em espaço privativo.

Após longo tempo, avançou-se para o direito à privacidade. O limite de garantia estendia-se além da mera intimidade. A imagem da pessoa passou a ser protegida também em lugares públicos.

Os atributos individuais não podem ser captados e utilizados aleatoriamente por terceiros. Cada pessoa é titular de sua imagem e de seus hábitos. Estes valores não podem sofrer constrangimentos.

No mundo contemporâneo, na ponderação entre direitos, em detrimento da privacidade, conferiu-se maior relevância à segurança. Reflexo imediato dos atentados terroristas e da indiscriminada criminalidade.

Em conseqüência, sem previsão legal, instalaram-se por todos os espaços privados câmaras de captação de imagens. Ninguém está livre de ser colhido no mais recôndito dos ambientes.

Nos corredores dos hotéis, nas entradas dos motéis, no interior dos templos, nas salas de aulas, no espaço das baladas, na entrada dos prédios residenciais e, progressivamente, nos mais inopinado dos lugares.

Trata-se do inevitável, dirá o conformista. Não é bem assim. A epidemia é avassaladora. Atingirá proporções próprias de uma peste negra medieval. Todos serão atingidos. Ninguém será preservado.

Alcançou-se, agora, o espaço público. Prefeitos das grandes cidades ou de municípios médios passaram a instalar câmaras em todas as vias de comércio. Todos os movimentos dos transeuntes anotados.

Ótimo. Procuram conferir segurança aos seus munícipes. As cenas, porém, são colhidas às escondidas. As pessoas não sabem. Tornam-se atores de vídeo de má qualidade sem autorização, sequer tácita.

Aqui a questão. Podem os particulares ou os administradores públicos captarem imagens sem prévia comunicação dos focalizados? Não. Esta a resposta.

Sempre que um local se encontre submetido a sistema de videovigilância, surge a obrigação de comunicar o fato ao usuário do espaço. Autoridades públicas ou administradores privados têm esta obrigação.

Nas vias públicas, no início dos espaços vigiados, devem ser fixadas placas indicativas desta condição. Idêntica atitude devem tomar os administradores de áreas privadas abertas ao público.

Uma verdadeira civilização exige preservação da integridade dos valores comuns. Captar imagens, sem conhecimento da cidadania, viola o direito à privacidade, ainda que a pessoa se encontre em local público.

É inadmissível cometer-se abusos sob o pretexto de combater a criminalidade. Esta deve sempre – e com muito denodo – ser cerceada, mas resguardando-se os direitos individuais.

Toda vez que, sob o pretexto de se cercear o crime, violam-se valores da cidadania, agride-se o Estado de Direito. Exatamente o que pratica serviços de vídeo dissimulados.

Na presente escalada, em breve, câmaras serão instaladas no interior das moradias. A vida íntima das pessoas sofrerá irreparável exposição. Nada ficará intacto. Conquistas de muitos séculos lançadas à margem.

A muitos as ponderações se assemelham românticas. Não são. A preocupação é dotada de profundo realismo. O medo é mau conselheiro. Coibir a criminalidade é fundamental.

Não se pode, contudo, com esse objetivo penalizar a toda a cidadania. Esta deve sempre ser informada dos cerceamentos a que é submetida. Só assim preserva-se o coletivo.

Caso contrário, se voltará aos tempos anteriores às cartas forais outorgadas por reis e senhores feudais. A submissão da cidadania ao Poder será absoluta. Com uma agravante: os reis e senhores feudais eram pessoas. O Estado é impessoal.

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