FRATERNIDADE COM AS MULHERES


Um dramático acontecimento sacudiu a Itália. Em Nápoles, uma mulher submetia-se a um aborto terapêutico. Por intermédio de uma chamada telefônica anônima, denunciaram a clínica. A polícia compareceu.

Rompeu a privacidade da paciente. Pasmem, apreendeu o feto. A partir do incidente, os jornais italianos desenvolveram acalorado debate. As colocações vão da moderação à apoplexia.

Sem qualquer acréscimo, já por si, o tema contém elevada carga de emotividade. Esta vai do sensível campo da ética ao âmago da intimidade da mulher. Atinge sua integridade física e psicológica.

O aborto é envolvido por contornos de alta sensibilidade. A frágil condição do feto, indefeso e passivo. A dor e exposição suportadas unilateralmente pela mulher.

Nenhuma mulher submete-se à intervenção de forma fria. O nato instinto de mãe gera o sentimento de perda. Sua condição humana, a dose excessiva de humilhação. Expõe-se e submete-se à violência contra a sua integridade.

Os homens debatem o aborto sobre o importante prisma ético. Jamais captam, porém, a situação feminina no decorrer do processo de tomada de decisão e submissão à realidade.

O aborto não pode ter leitura de mero ato de rotina. Não é. Jamais poderá ser tratado com frivolidade. Apresenta-se como uma intervenção de risco e repleta de interrogações.

Em toda parte, quando o assunto vem à tona, as discussões tornam-se acaloradas. Os argumentos partem de um conservadorismo excessivo. Ou levam a um grau ilimitado de liberdade.

É compreensível. Unem-se, ao tema, a presença da vida com seus sensíveis componentes. A atração entre duas pessoas, ainda que efêmera e circunstancial, e a concepção, sopro de novo ser.

Agrega-se mais. O dever comum a todas as pessoas de preservar a vida. Respeitar a dignidade do outro, ainda que embrionária. Preceitos que se estendem à figura da mulher.

Ao submeter-se à intervenção, a mulher sofre violência contra a sua dignidade. As causas da concepção são múltiplas. A presença do imponderável. A ausência de sadia orientação sexual. As proles repletas de carências.

O tema perturba a humanidade desde épocas remotas. São Jerônimo, no ano trezentos, quando a ciência se limitava ao empirismo, posicionou-se. Antes do surgimento da aparência humana e dos membros, não existe violência contra o nascituro.

São Alberto Magno, em 1200, deduziu: a alma, no varão, infunde-se quarenta dias após a concepção e, na mulher, somente após noventa dias. Autores contemporâneos registram: a alma infunde-se na concepção.

Múltiplas vertentes de pensamentos. Chocaram-se em debates acalorados nos parlamentos português, espanhol e italiano, nos últimos anos. Antes, em 1973, a Suprema Corte dos Estados Unidos debruçou-se sobre o assunto.

As realidades desses países alteraram-se. As mulheres tornaram-se titulares de seu corpo e de suas vontades. Abriram-se possibilidades para a sofrida intervenção.

A unanimidade jamais se obteve. É impossível atingi-la frente a esta contingência existencial. Todas as vertentes levam a um dado essencial: a defesa da vida. Qual vida? A em gestação ou a vida em plenitude da mulher hospedeira?

Resposta digna de um enigma à moda antiga. Esse se amplia em complexidade quando a inviolabilidade do corpo da mulher é violada e desta agressão resulta concepção indesejável, indevida e inaceitável.

A solução jamais será unânime. O aborto sempre encontrará posições de áspero antagonismo nos debates que proporciona. Nesses, quase sempre, restringe-se à participação de personalidades masculinas.

Bom momento para se alterar esta postura. Um tema, especialmente da mulher, por mulheres deverá merecer reflexão e debates. As conclusões terão que recolher o pensamento feminino, em sua plena sensibilidade.

Em sua Campanha da Fraternidade/2008, a Confederação dos Bispos Brasileiros trata a questão do aborto. Bom. Permitirá seu exame pelas diferentes expressões da inteligência.

A sociedade não pode se omitir. Deve participar. Recolher os dramas individuais das mulheres. Compreendê-los será sinal de maturidade. É momento dos homens ouvirem.

O silêncio não condiz com os tempos contemporâneos. Ele apenas torna hipócrita a convivência humana. A hipocrisia já causou muitas vítimas. Milhares de mulheres sacrificadas. Ou vidas perdidas.

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