Entre as caminhadas mais auspiciosas dos povos ocidentais, se encontra a saga dos direitos da pessoa. Nasceu e se desenvolveu, em seus traços contemporâneos, a partir do Século XVI.
É produto típico do individualismo acendrado próprio dos pensadores renascentistas italianos. Estes fizeram da pessoa o centro do universo, a figura capaz de conceber novas formas de convívio social.
Em momento posterior, o iluminismo ampliou este pensamento. Erigiu o progresso em idéia-força. Derrubou os limites cerceadores de seu desenvolvimento. O progresso passou a ser considerado infinito. A pessoa elevou-se como sua fonte geradora central.
Estas formulações aconteceram com o rompimento dos valores medievais. A eclosão da reforma religiosa e as conseqüentes guerras. Pessoas lançaram-se contra pessoas em lutas fratricidas.
A rígida hierarquia imposta pela Igreja Romana ruiu. Em seu lugar, estabeleceram-se em vários espaços geográficos e governos locais autônomos. Estes geraram o embrião do federalismo.
Entre muitas tormentas, os pensadores priorizaram a pessoa. Lutaram para afastar os agentes violadores de sua atuação livre, independente e, portanto, autodeterminada.
Surgia o princípio do sacerdócio universal. Afastava-se a exclusividade do domínio do conhecimento por um segmento ou alguém consagrado. Todos passaram a ter acesso à Bíblia.
A leitura e interpretação dos chamados livros sagrados passou a ser individual. Cada pessoa tornou-se senhora de sua verdade. Cessava simonia. A presença de intermediários entre a terra e o céu.
O individualismo ampliou-se. A cada momento, as pessoas convenciam-se da condição de detentoras de seus pensamentos e ações. Passaram a defender a dignidade dos humanos.
A emergência dos direitos da pessoa, no decorrer da história, revela, pois, um acontecimento sem precedentes. Alterou as instituições políticas. Rompeu dogmas e afastou preconceitos.
Ora, quando, por meio de “intervenções humanitárias”, estados economicamente desenvolvidos agridem a soberania de outros povos, sob o pretexto da preservação de direitos, ferem culturas e tradições.
Os direitos da pessoa, em sua concepção eurocêntrica, podem ser recepcionados por outros povos, mas jamais impostos pelas armas, ainda porque esta atitude aponta para a negação dos próprios direitos da pessoa.
Os valores das culturas existentes na Ásia, no leste europeu e na própria América do Sul divergem do individualismo europeu e norte-americano. Preservam a pessoa a partir da obtenção da harmonia social em núcleos restritos. Respeitam a autoridade. Giram em torno de entidades familiares.
O Patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, ao ser entrevistado por jornalistas franceses, significativamente denunciou a concepção ocidental dos direitos da pessoa. Defende o que denomina o direito dos grupos.
Estas reflexões resultam dos conflitos localizados, distribuídos por todas as partes, e que atingiram esta América do Sul. O sofrimento dos povos agredidos por intervenções militares, adjetivadas como humanitárias, é incalculável.
Cada povo deve resolver suas controvérsias de conformidade com seus valores e culturas. A idéia de missão civilizadora, adotada por alguns estados nacionais, conflita com a concepção ocidental dos direitos da pessoa.
Os novos meios de comunicação – especialmente a internet – levarão a todas as sociedades a visão ocidental dos direitos da pessoa. Caberá a cada povo de maneira individual ou por região adotá-los ou rejeitá-los.
Mediante um sadio proselitismo, todos os povos poderão acolher, no tempo, os direitos da pessoa a partir da mundovisão plasmada no Ocidente. A guerra como instrumento de persuasão leva a ódios irreversíveis.
Esta maneira de pensar a realidade internacional começa a ganhar importantes adeptos na cultura jurídica de vários povos. É salutar. O uso indiscriminado de armas fere o bom senso médio.
Agiram com sabedoria os dignitários dos países sul-americanos ao afastarem a possibilidade de um conflito no espaço da América meridional. A divisão dos povos ao sul do Rio Grande seria um desserviço a suas populações carentes.
Os povos desta América já sofreram excessivamente com as violências infringidas pelos europeus a populações autóctones. Cabe-lhes, em defesa dos direitos da pessoa, procurar seus próprios caminhos, sem a presença de fundamentalistas iluminados.
Um abraço é melhor que o trovejar dos canhões. Os intolerantes não se assemelham aos humanos. Estão mais próximos das feras. Basta analisar os últimos conflitos localizados.