TERCEIRO MANDATO E A LIÇÃO DA SABEDORIA POPULAR


As repúblicas suportam-se em princípios e valores. A brasileira adotou, desde a Constituição de 1891, princípio basilar: a ausência de reeleição para os titulares de cargos no poder executivo.

Os fundadores da República expressaram suas preocupações. Barbalho, pernambucano culto e sensato, apontava para os riscos da reeleição. Seria expor o eleitor à pressão, corrupção e fraude na mais larga escala.

O princípio manteve-se por longos anos. Sequer os militares, após 1964, violaram o preceito da tradição republicana. Não permitiram reeleição de generais presidentes.

Um só mandato e basta. Foi a lição respeitada por todos os presidentes. Certamente, políticos com tradição e com vaidades pessoais limitadas. Tudo mudou, porém, na década de noventa.

A desmedida volúpia pelo poder levou à violação da boa prática republicana. Por múltiplos desvãos, o parlamento foi levado à insânia. Adotou a reeleição para os cargos executivos de todas as esferas de governo: União, estados e municípios.

Criou-se o precedente. O segundo mandato, agora, é pouco. Vai-se para o terceiro. Quem sabe o quarto e assim infinitamente. Uma tragédia política gerada pela Emenda Constitucional n. 16, de 4 de junho de 1997.

Quando se compara a situação presente com a História dos Estados Unidos, surge o exemplo patriótico de George Washington. Queriam fazê-lo presidente pela terceira vez. Não conseguiram.

Whashington, em resposta, mostrou-se incisivo. Elaborou documento político conhecido como Discurso da Despedida. A peça jamais foi objeto de discurso por seu autor. Apenas publicada na imprensa.

Com grandeza, o pai fundador dos Estados Unidos, no histórico documento, expressa sua resolução convicta de não figurar entre os candidatos. Afastou, assim, rumores existentes.

Na realidade do hemisfério meridional, todavia, tudo acontece de maneira diversa. Os especialistas já analisam os eventuais processos legislativos aptos para a adoção de um terceiro mandato presidencial.

Apontam para um projeto de emenda constitucional. Os riscos, contudo, de uma PEC são conhecidos. O Executivo não conta com maioria de dois terços no Senado Federal. Já conheceu a derrota da CPMF.

Seria perigoso arriscar. Quem foi mordido por cobra tem medo de minhoca, diz a sabedoria popular. Os estrategistas procuram novas fórmulas. Surge a idéia de um plebiscito.

Esse poderá ser aprovado pelo Congresso por maioria singela. Simples. A fundamentação ainda mais apetecível. É instrumento da democracia direta, tão a gosto de determinados cenários acadêmicos.

O plebiscito é bom anotar. É proposta do parlamento e seu processo se desenvolve no cenário congressual. Não há interferência do Executivo. Este apenas aguarda a aprovação na privilegiada e cômoda posição de mero espectador.

Alguns indicam as próximas eleições municipais para a realização do plebiscito. Hipótese improvável. Faltam poucos meses para o pleito de outubro deste ano. O tempo do processo legislativo pode impedir que o objetivo seja alcançado.

Ainda mais. Um terceiro mandato exige o crescimento da proposta em todos os campos, inclusive o social. A opinião pública das cidades, em princípio, rejeita um terceiro mandato.

Talvez, por isto, a todo o momento figuras centrais da política situacionista revelam-se defensores da permanência do atual presidente no cargo por mais cinco anos.

Demonstram, com esta colocação, apreço ao titular da Presidência da República e, ao mesmo tempo, rechaçam a permanência da reeleição no quadro constitucional.

Mostram-se, assim, defensores do princípio republicano brasileiro clássico. Nada de reeleição. Aí o paradoxo. Respaldados em uma posição louvável, desejam praticar uma incomensurável agressão à boa rotina democrática.

A alternância no poder é saudável. Areja o Estado. A sua ausência impede a formação de novos quadros administrativos. Transforma a coisa pública em cosa nostra.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresenta uma das mais belas biografias da História política do Brasil. A sua trajetória é singular. Talvez única. Ninguém venceu tantos obstáculos como ele.

Homem do povo, nascido do povo, Lula sabe: um é pouco, dois é bom, três é demais. Sua biografia merece ser preservada.

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