MBAÉ VERÁ GUAZU, PARAGUAI, A TERRA SEM MAL


O resultado da eleição presidencial no Paraguai não surpreendeu. Causa espanto ter demorado tanto para acontecer a eleição de um padre. A presença de religiosos foi uma constante na cultura paraguaia.

Esta presença do clero católico se estende por todos os períodos históricos do país. Jamais abandonando a formação do seu pensamento político. Mesmo quando da revolução dos comuneros, a presença religiosa não se afastou.

Os comuneros, reflexo de idêntico movimento desenrolado na Espanha, desejavam, em pleno Século XVII, o fim do absolutismo e a aplicação de eleições gerais para a escolha dos governantes.

Em duas oportunidades e épocas diferentes, foram vencidos os comuneros. Laçaram, porém, as bases para a futura independência do Paraguai, proclamada no ano de 1811.

Em 1865, republicava-se – ainda sob o colorido religioso da política paraguaia – o Catecismo de Santo Alberto, obra destinada a combater as doutrinas originárias da Revolução Francesa.

Desde os tempos coloniais, as várias ordens religiosas católicas estiveram presentes no território guarani. Antes os franciscanos e depois os jesuítas tiveram importante papel na formação histórica do Paraguai.

Os franciscanos dedicaram-se à evangelização. Os jesuítas foram muito além. Pretenderam instalar um “Reino de Deus sobre a Terra”. Não se limitaram a recolher almas para o catolicismo.

Criaram os povos das missões e, nestes, implantaram um sistema político teocêntrico, no qual os lucros da produção eram distribuídos entre todos os moradores dos territórios administrados pelos jesuítas.

Certamente, a experiência das reduções jesuíticas marcou a alma coletiva paraguaia, conformando uma espiritualidade integrada pelos valores católicos e a forte religiosidade dos índios guaranis.

Após a independência, implantava-se o governo de Francia, personalidade complexa e com formação religiosa na Universidade de Lima. Iniciava-se o chamado período da Ditadura Perpétua.

Em 1844, finalmente no governo de Carlos Antonio Lopez, pai de Francisco Solano Lopez, conhece o Paraguai a primeira Constituição, nos moldes do constitucionalismo da época.

Três poderes eram previstos: executivo, legislativo e judiciário, com prevalência do primeiro sobre os demais. Foi época de progresso. Distribuiu-se terras às famílias. Outorgou-se créditos. Instalava-se a primeira colônia com população estrangeira.

Carlos Antonio Lopez criou o ensino primário gratuito e obrigatório. Implantou inúmeras escolas superiores e contratou técnicos e professores europeus. Iniciou as obras do Oratório da Virgem de Assunção, o atual Parthenon Nacional.

Com sua morte, assume o vice-presidente, seu filho, Francisco Solano Lopez. O Marechal Lopez combateu até a morte os exércitos da Tríplice Aliança, formada por Argentina, Brasil e Uruguai.

Na chamada Guerra do Paraguai foi impressionante a presença de membros da hierarquia católica nas tropas paraguaias. Combateram em todas as frentes e muitos se tornaram heróis nacionais.

Assim, pois, no passado, a presença da religião e de integrantes da hierarquia, nos espaços públicos da República do Paraguai, foi constante. A vitória de um antigo bispo, hoje mero padre, nas eleições presidenciais não causa espanto.

Ao contrário, aponta para o reatamento, em sua plenitude, da linha histórica tradicional do país. O encanto das populações por Dom Fernando Lugo é um verdadeiro reencontro com as raízes.

Já não se trata de um jesuíta ou de um franciscano. Dom Lugo pertence à ordem dos Missionários do Verbo Divino. A sua vitória deveu-se a uma coligação partidária chamada Aliança Patriótica para a Mudança – APC.

Desta Aliança, participou o Partido Liberal. Este e o Partido Colorado, derrotado após sessenta anos no poder, foram instituídos no ano de 1887. Portanto, há mais de cem anos.

A democracia participativa permitiu o aparecimento do efetivo rosto dos povos desta América. Já não há lugar para máscaras de padrão alienígena. Somos o que somos. Melhor nos entendermos.

A vitória de Dom Lugo surge como uma conquista democrática dos povos da América Meridional. Vitória da gente comum – los comuneros – contra os segmentos estabelecidos e dominantes.

Francisco Solano Lopez, segundo consta, tinha uma frase peculiar: “la copa está servida … es preciso beberla!” Cabe perfeitamente para este momento sul-americano. Vamos comemorar.

print