LÁ COMO CÁ, SUPREMO TRABALHO DÁ


No momento em que o Supremo Tribunal Federal assume nítida conformação de Corte Constitucional, alguns questionamentos se colocam para o observador leigo.

Com a aplicação da Emenda Constitucional n. 45, alteraram-se os rumos da Corte Maior. Já não conhecerá meros conflitos privados. Irá ocupar-se de assuntos comuns a toda cidadania.

Aumentará a exposição dos ministros. Diminuirá o acesso das partes à Corte, considerado o universo de interesses. O Supremo assumiu a postura de tribunal restrito aos grandes temas.

Claro que a mudança é oportuna. Não podia o Judiciário contar com tantas instâncias recursais. Conflitos de interesses, no âmbito estritamente privado, não podiam bloquear a pauta do Supremo Tribunal.

Afastava-se esta situação da filosofia que orienta os tribunais constitucionais de toda a parte. O Brasil diferenciava-se. Os ministros se encontravam sufocados por uma onda avassaladora de questões rotineiras.

Mudou o cenário. O Supremo ampliou sua visibilidade e se transformou em um tribunal com traços políticos. Ingressa em assuntos que pareciam da competência exclusiva do Legislativo. Incomoda o Executivo.

Só os ingênuos não anteviram os efeitos da Emenda n. 45 à Constituição. Foi festejada pelos três poderes como uma grande vitória. Enfim o Judiciário seria reformado.

As reformas têm custos inesperados. É o caso da atual atuação do Supremo perante os dois outros poderes da República. O Executivo, aqui e ali, sente-se importunado. O Legislativo constata a perda de funções.

Na verdade, os mecanismos de Poder enfim vão se engrenando e transformando a realidade nacional. As constituições escritas e rígidas necessitam sempre se adaptar às novas circunstâncias sociais e históricas.

Cabe esta tarefa a uma Corte Constitucional, portanto ao Supremo Tribunal Federal. Acontece que este novo aspecto da jurisdição, quando começa a atuar, causa mal-estar e desconforto nos demais Poderes.

É exatamente o que está ocorrendo. As treze súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal atingiram órgãos da jurisdição. Costumes tradicionais da máquina pública. Formas administrativas cimentadas.

É grita por todo lado. Todos querem saber o pensamento dos ministros. Usa-se até escuta telefônica para conhecê-lo antecipadamente. Um horror. Não surpreendente, porém.

Sempre que um tribunal assume o perfil de Corte Constitucional surgem adversidades. Autoridades conflitam entre si. Executivo sente-se diminuído. Judiciário aviltado.

Há cento e cinco anos, a Suprema Corte dos Estados Unidos iniciava sua atuação como intérprete da Constituição. O caso é precioso. Deu início à rica jurisprudência constitucional norte-americana.

O presidente da República era Thomas Jefferson, uma figura refinada e com traços diferenciados. Religioso sem freqüentar templos. Filósofo ao estilo francês, agia com grande mobilidade na política.

Homem culto e intensamente popular. Parecia não ter adversários. Mera ilusão. Seu grande inimigo apresentava-se na figura do famoso e muito citado John Marshall.

Exatamente aquele magistrado que enunciou firmemente a doutrina da revisão judicial. Ou seja, firmou a missão da Suprema Corte de constatar se as leis se encontram conforme os preceitos constitucionais.

Uma revolução. O primeiro caso – Marbury vs Madison – tinha como parte personalidade conhecida como o principal autor da Constituição americana de 1787.

Madison, bom jurista e mau político, impediu a posse de um juiz de paz nomeado nas últimas horas do governo Adams. A Suprema Corte decidiu não possuir jurisdição para tratar de nomeações.

Marshall, inimigo de Jefferson e de Madison, buscou contrariar as duas personalidades. Concebeu decisão pioneira. Deflagrou a jurisprudência relativa à inconstitucionalidade das leis.

Julgou inconstitucional a lei que impedia a Suprema Corte de analisar nomeação de funcionários. Gerou corrente doutrinária cantada em prosa e verso pelos constitucionalistas. Tudo fruto da luta política.

No Brasil, não será diferente. As idiossincrasias pessoais poderão conceber novas interpretações e novos rumos para o Direito. Basta observar o desenrolar das sessões do Supremo Tribunal Federal.

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