AREOPAGÍTICA


Deverá ingressar, novamente, na pauta do Supremo Tribunal Federal a Lei de Imprensa. No início deste ano, em ato monocrático, confirmado pelo colegiado, vinte artigos do diploma foram declarados inconstitucionais.

Afastaram-se dispositivos que não foram recepcionados pela Constituição de 1988. Agora, os demais artigos – e são muitos – sofrerão nova análise. Pode-se aguardar até o fim da lei especial.

O tema Lei de Imprensa permite reflexão sob vários ângulos. Em elaboração instantânea, o primeiro aponta para a desnecessidade de lei específica para tratar de matérias jornalísticas.

Esta visão mostra-se precipitada. Pela importância que possuem nos regimes democráticos, os meios de comunicação necessitam de tratamento especial.

Não podem ser lançados no universo do Código Civil ou do Código Penal para aferição de responsabilidades. Seria impor um pesado ônus à atividade.

A par de interesses econômicos, os meios de comunicação contêm um traço marcante nas democracias. A formação de opinião pública capaz de firmar sua própria convicção, entre várias linhas de pensamento e informação.

Como deseja a Constituição, o exercício do jornalismo exige plenos espaços de liberdade. As informações e opiniões não podem conhecer restrições.

É da sua essência a liberdade. Como esta não pode se apresentar absoluta, sob pena de violar a valores pessoais de terceiros, o jornalista deve conhecer particularmente penas de natureza moral.

O pior para um veículo de comunicação e seus operadores é a perda de credibilidade. Uma decisão condenatória contém resultado devastador, quando aponta informação inverídica ou identifica malícia em opinião.

Os efeitos dessa sentença superam as meras indenizações pecuniárias, mesmo que impostas com parcimônia, como exigem o bom senso e a preservação dos veículos de comunicação.

Em tempos passados, o Parlamento inglês temeroso com as muitas obras, falsas, escandalosas, subversivas e difamatórias, editou Ordem incomum. Impôs censura às publicações.

Caminhou além. Cerceou a criação de novos veículos e a divulgação de impressos. A Inglaterra das liberdades aproximou-se, com este édito, aos países europeus continentais submetidos às regras da Inquisição.

O desconforto estabeleceu-se. Personagem, destemida e conhecida pelos seus escritos, lançou um documento exemplar na defesa da liberdade de imprensa.

Foi John Milton, o poeta do Paraíso Perdido e defensor intransigente dos valores republicanos em uma sociedade de cultura monárquica. Milton elaborou texto primoroso.

Deu-lhe o nome Areopagítica, pois não o endereça especificamente ao Parlamento inglês, apesar deste ser este o destinatário. Retorna à Grécia clássica. Dirige a manifestação ao Areópago, o tribunal ateniense.

O texto elaborado por Milton é um clássico da liberdade de imprensa. Com cultura e maestria, elabora uma defesa singular deste elemento fundamental para a existência de sociedade livres.

Por que recordar Milton e seu Areopagítica? Exatamente pela diversidade de situações. No Século XVII – lá na Inglaterra – cerceava-se a liberdade. Aqui, nenhum esforço para preservá-la em sua plenitude.

Todos sabem que o Supremo Tribunal Federal lançará o assunto à discussão entre seus ministros. Nada se ouve ou se escreve a respeito. Um silêncio sepulcral.

O Congresso Nacional prometeu uma nova Lei de Imprensa. Alguns se mostraram favoráveis à existência de um diploma especial. Outros se colocaram em campo oposto. Nada de lei especial.

Ora, na ocorrência de posições díspares, caberia ao Parlamento brasileiro a realização de audiências públicas para se conhecer as opiniões dos jornalistas, empresários da comunicação e da sociedade.

Nada se faz. Nem os formadores de opinião se mostram interessados. Falta um John Milton a proclamar a irreversibilidade da liberdade de expressão.

Um dia poderá ser tarde.

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