ELUANA ENGLARO E O DEBATE SOBRE A MORTE


Os tempos atuais conduzem a caminhos estreitos. Os elementos básicos da convivência ruíram. Como coletivo de ajuda recíproca, a família encontra-se em extinção. De há muito.

No passado, as pessoas conviviam e se apoiavam de maneira recíproca. Os desafios eram grandes. Faltavam elementos para amenizar as doenças e evitar a morte.

Ninguém, contudo, permanecia inteiramente abandonado. Sempre havia alguém, em determinado momento, ao lado do enfermo. Quando tudo faltava, restavam os hospitais, lugar próprio para morrer.

Morria-se em família. O enfermo rodeado por parentes e amigos. A vela, sinal do momento final, era colocada nas mãos dos moribundos pelos familiares.

Tudo mudou. O enfermo próximo da morte apresenta-se como estorvo na sociedade contemporânea. Todos procuram afastá-lo o mais rapidamente possível do contato com outras pessoas.

Os moribundos são lançados em unidades de terapia intensiva – as UTIs -, apartados dos familiares e amigos. Sedados. Não podem e não devem violar o cotidiano dos outros.

É traço do individualismo próprio da sociedade, ainda mais acentuado no Ocidente de fortes raízes capitalistas. Quem perde sua capacidade ativa, já não importa.

Transforma-se em custo sem contraprestação. É melhor que morra quanto antes. A dramaticidade desta situação atinge níveis antes impensáveis. Sociedades com forte carga humanística lançam-se em caminhos obscuros.

Um grande debate se desenvolve na Itália. As emoções sobem à tona e avançam para o cenário político com intensidade. Os poderes republicanos entram em conflito. Os políticos tomam posições antagônicas.

Um pai, declarando reproduzir a vontade expressa por sua filha, Eluana, em estado vegetativo há dezessete anos, pede a aplicação da eutanásia. A morte assistida é autorizada pelo Poder Judiciário.

Protestos entre os italianos. Muitos se colocaram contra a decisão judicial. O primeiro ministro, Berlusconi, em ato voluntarioso edita decreto-lei, instituto análogo a nossa medida provisória, proibindo a eutanásia.

O presidente da República, Napolitano, não referendou a medida. Implodiu forte crise entre os Poderes. A opinião pública tomou posições diversas. As emoções atingem alto grau de sensibilidade.

O tema toca a todos. A morte é o traço igualitário entre as pessoas. Ela irá alcançar indistintamente ricos e pobres. Marginais e santos. Pessoas saudáveis e enfermos permanentes.

As divagações sobre a morte apresentam-se de forma perene. Em todas as épocas o tema marca presença. Muitas vezes sob a visão religiosa e outras sob a perspectiva profana. A morte, porém, sempre esteve presente.

Daí muitos pensadores divagarem a respeito do assunto e na busca da morte fácil. Francis Bacon, nesta busca, cunhou a palavra eutanásia. Seu significado é morte boa.

Afirmou Bacon que a função do médico é obter a cura do paciente. Quando isto não for possível deve atuar para conceder ao enfermo a possibilidade de morrer sem dor ou sofrimento.

Antes, muito antes, Platão em sua República aponta para duas formas de morte provocada. A negativa e a positiva. Na primeira, deixa-se morrer. Na segunda, mata-se para evitar os ônus causados à sociedade pelos enfermos.

Aqui o perigo. A eutanásia positiva, defendida também, por Tomás Moro, em sua Utopia, leva a eugenia, ou seja, ao desaparecimento de todos os incuráveis. Eles seriam inúteis para a sociedade.

O santo, protetor dos políticos, mostrou-se impiedoso. Propagava, como uma das normas de sua Utopia, a morte dos inaptos fisicamente para vida produtiva.

Aqui se está a um passo do nazismo e suas atrocidades. Volta-se, nesta passagem, a Eluana. Os aparelhos que a mantinham viva foram desligados. Em breve, ela não causará mais nenhum ônus a ninguém …

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