NÃO VAI DAR CERTO


O liberalismo italiano, no decorrer do Século XIX, influenciou enormemente o pensamento político dos países da América Setentrional. As grandes ondas imigratórias traziam, em suas pobres bagagens, a riqueza das novas idéias.

Os liberais, no interior do Ressurgimento, apostaram na dignidade do homem e na necessidade de preservá-la contra todas as formas de violência. Acreditavam na possibilidade de transformar as pessoas em pólos ativos e autônomos.

As comunidades sob os influxos destas correntes de idéias conheceram acontecimentos de vanguarda. Os imigrantes combatiam pelos seus direitos e, entre estes, o de expressão do pensamento.

Esta escola de liberdade permitiu uma difusão do pensamento liberal em todos os países que recebiam notícias vindas da Itália. Depois, no Século XX, estas vozes silenciaram.

Lá e, por conseqüência, por aqui. Os ponteiros do relógio do pensamento alteraram a marcha. Agora, ofereciam as linhas da doutrina corporativista e, com o passar do tempo, o afastamento da dignidade do homem.

Foram os duros anos do fascismo, que tanta influência teve no Brasil. A Constituição de 1934 e, particularmente, a Carta de 1937 foram elaboradas a partir de princípios importados do constitucionalismo italiano.

Anos difíceis. Os brasileiros conviveram com o Estado Novo e suas duras formas de repressão à liberdade e aos demais direitos das pessoas. Os italianos com o fascio e sua falsa grandiosidade. Tudo em vão.

A Segunda Guerra Mundial, com a dramática destruição que provocou, levou as pessoas novamente a pensar na centralidade dos indivíduos em todas as sociedades.

No Brasil conheceu-se a queda do Estado Novo e a implantação da democracia.

Lá, na Itália, entre as ruínas causadas pelo conflito mundial, ergueram-se vozes corajosas. Em luta fratricida a resistência democrática combateu aos fascistas. Luta violenta e sem quartel. Grandes tragédias ocorreram.

A final, os italianos conseguiram repor o Estado como instrumento de equilíbrio, apesar das feridas deixadas pela luta pela liberdade. O bom senso de respeitados políticos permitiu o surgimento da primeira Constituição do pós-guerra.

A Constituição italiana de 1948 é modelo de documento constitucional elaborado com sabedoria e olhos lançados nas tradições anteriores ao fascismo. Liberais, democratas cristãos e comunistas entenderam a importância daquele momento.

Prosseguiu a Itália a oferecer exemplos de convivência política, apesar de surtos de violência por parte de células antidemocráticas. Conseguiram, porém, dentro da democracia, afastar os riscos de quedas autoritárias.

São lembranças históricas os diálogos entre comunistas e democratas, recheados de preconceitos, mas sempre elevados e produtivos. A Itália tornou-se uma entre as dez maiores economias em liberdade.

Este passado repleto de ensinamentos políticos encontra-se, no momento, repleto de interrogações. Surgiu na Itália um estranho temor pelo estrangeiro. Os ilegais oriundos dos países do leste europeu produziram sentimento de insegurança.

Esta insegurança, suportada em episódios da vida urbana, gerou movimentos de revolta popular. Estupros, furtos e roubos ocorridos por toda a península, independente de maior investigação, foram atribuídos aos estrangeiros.

Estes passaram a ser odiados pelos nacionais. Um sentimento psicológico próprio de qualquer sociedade com traços e valores estabelecidos. O preocupante é a posição do Governo.

Uma escalada legislativa leva a posicionamentos que ferem as melhores tradições do pensamento democrático italiano. Primeiro, os médicos foram incentivados a apontar às autoridades os imigrantes ilegais.

A sagrada função de salvar vidas tornou-se, assim, uma forma de perseguição ao estrangeiro. Quem busca lenitivo para seus males, encontra a porta da expulsão. Um duro golpe nas muitas declarações de direitos humanos.

Agora, as coisas pioraram. Volta-se aos tempos da entrada dos camisas negras em Roma. O governo italiano autorizou a formação de milícias desarmadas, formadas por cidadãos, para percorrer as vias das cidades em busca de suspeitos.

As milícias são equipadas com rádio portátil e telefone celular e, a vista de qualquer suspeito, devem convocar a autoridade policial. O grupo deve ser constituído, especialmente, por antigos militares.

Um risco: o Estado abdicar do poder de polícia e transferi-lo a particulares. Hoje se encontram desarmados. Amanhã darão mais um passo. No futuro podem levar ao estado policial. É o fim do bom e seguro Estado de Direito.

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