EXCESSOS PERIGOSOS


Na vida política nacional, uma constatação é inequívoca. Hoje, não existe oposição. A hegemonia do Executivo é flagrante. Os legislativos já não exercem a função de fiscalização, prevista na doutrina.

Esta é uma grave anomalia. Deforma os mecanismos democráticos tradicionais. A tripartição de poderes, tão saudada pelos constitucionalistas, se dissolveu. Criou-se um monstrengo.

Este aparenta exercício normal de funções. Na verdade, anda capengando por todos os lados. Já não caminha com a admirável desenvoltura imaginada pelos pensadores do passado.

Resta, neste quadro, uma instituição com traços revigorados pela Constituição de 1988. Trata-se do Ministério Público. Fiscaliza. Atua com desembaraço e, por vezes, ingressa em cenário alheio às suas atribuições.

Ainda assim sua atuação é significativa e respeitada. Cria limites aos administradores e aponta as incidências de improbidade no dia-a-dia da administração pública.

Ocorre que este mesmo Ministério Público, tão vivaz no acompanhamento dos Executivos, tem se mostrado tímido na fiscalização do Poder Legislativo. Há uma presença diária de acontecimentos bizarros no interior dos parlamentos.

As casas do Congresso Nacional criam situações inacreditáveis. O Senado com seus quase duzentos diretores ou a Câmara com as verbas sem transparência dão mau exemplo e fazem má figura perante a sociedade.

Estes maus exemplos são seguidos pelas municipalidades, onde, por vezes, as Câmaras Municipais se excedem em conceder privilégios para seus membros. São agraciados com todas as benesses.

Ora, os parlamentos se constituem em instituições plasmadas para conceder voz à vontade popular. A velha representação imaginada pelo Abade Siéyès retirou a voz da cidadania e a fez falar pelos seus legisladores.

A estes incube elaborar as leis e – insiste-se – fiscalizar os atos do Executivo. O noticiário dos meios de comunicação demonstra exatamente o contrário. Os legisladores perderam-se em divagações bizantinas.

Deixaram, assim, de atuar em suas efetivas funções. Uma lástima. Ao invés de legislar, homologam medidas provisórias. Quando deviam fiscalizar, esgrimam entre si.

Esta perda de funcionalidade conduz a um descrédito dos parlamentos perante a opinião pública. A sociedade passa a elaborar indagações. Estas levam a conclusões.

Céticas e inoportunas. Porque fragilizam a democracia. Este regime, com longa trajetória de formação, recebeu clássica conceituação: o governo do povo pelo povo.

Esta mesma conceituação se banaliza. Muitos já perguntam se a democracia deixou de ser o governo do povo pelo povo para se tornar o governo dos políticos para os políticos.

Aqui o grande risco. Em momentos de crise econômica, o enfraquecimento das instituições pode conduzir a caminhos tortuosos. Há dramáticos exemplos históricos.

A Alemanha após a Primeira Grande Guerra produziu o nazismo. A União Soviética, com a desmoralização da Dieta, levou à ditadura comunista. Os exemplos são recorrentes. Bastam estes dois pela grandeza.

Parece não existir riscos para situações de tão intensa dramaticidade. No entanto, os Executivos, em situações de fragilidade social e econômica automaticamente tornam-se ativos e audaciosos.

Esta realidade, contudo, não é percebida pelos parlamentos nos três níveis: federal, estadual e municipal. Parecem não constatar a gravidade do cenário econômico com fortes reflexos sociais.

Tornaram-se representantes de si próprios. Esquecem que receberam um mandato do povo para a defesa dos interesses do mandatário. Em uma operação esdrúxula, repete-se, tornaram-se representantes de seus próprios interesses.

Não há na democracia espaços para fragilidades morais. A transparência, atributo principal do regime, faz com que toda a cidadania acompanhe com olhos críticos todos os atos de seus representantes.

É tempo de uma reformulação de atitudes. A sociedade espera maior compostura cívica de seus representantes nos parlamentos. Aguarda-se uma reforma política para breve. Seja esta a redentora da vida parlamentar.

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