PERDERAM A COMPOSTURA


Há cento e oitenta e seis anos – em 1823, portanto – instalava-se o Parlamento brasileiro, um dos mais antigos do mundo e de permanência continua, salvo pequenos períodos de intervenções autoritárias.

A História pátria pode ser acompanhada mediante estudos dos trabalhos legislativos. Tomem-se os anais do Senado e da Câmara Federal e estarão presentes todos os acontecimentos da vida política.

Momentos de grande significado cívico, quando parlamentares arriscaram suas vidas em defesa das instituições. Instantes em que a brasilidade se sobrepôs aos interesses regionais ou partidários.

O Parlamento sempre foi composto por personalidades diferenciadas que se tornaram referência para a cidadania. Verdadeiros exemplos de compostura e elevado trato com os assuntos públicos.

Aconteceram exceções. Normais, entre pessoas. Mas, a submissão à relevância do Parlamento e da importância de seus integrantes perante a sociedade sempre estiveram presentes.

O Senado, no Império e na República, na sua condição de casa de equilíbrio, mostrou-se continuadamente consciente de sua importância. Sabia – espontaneamente – ser guardião de valores cívicos.

O estilo de seus integrantes era sóbrio e composto, de acordo com a magnitude do cargo ocupado. Tudo, no Senado, respirava o bom ar da compostura pessoal.

Havia pecadilhos certamente. De modo geral, contudo, no Império e na República, os valores se preservavam. Pertencer ao Senado qualificava a pessoa. Tornava-a diferenciada.

O Senado era referência. Os comportamentos dos demais parlamentos se pautavam pelas formas de agir dos senadores. Os brasileiros orgulhavam-se de seu Senado.

Podiam ocorrer mazelas. As aparências – ao menos – ofereciam parâmetros de comportamento. Nada de palavras vulgares. Muito menos baixo calão. O português, como idioma, era respeitado.

Tudo mudou. Hoje, em homenagem a data comemorativa, recita-se em inglês, desprezando-se o artigo 13 – logo o 13 – da Constituição que afirma ser o português o idioma oficial da República.

Os debates se assemelham a conflitos entre integrantes da má vida. Palavrões inaudíveis entre pessoas razoavelmente educadas. Acusações que ferem a moralidade administrativa.

Uso de aviões oficiais, próprios ou de empreiteiras paira no ar apontando para um cenário de promiscuidade entre o privado e o público. Olhos esbugalhados indicando ira descontrolada.

Tudo isto poderia passar, eventualmente, despercebido em outros tempos. As comunicações eram canhestras. As notícias chegavam com grande atraso à sociedade.

Os intermediários dos acontecimentos – os vários órgãos da imprensa – distribuíram informações de acordo com a cor partidária que os orientavam. Agora, tudo é diferente.

Esqueceram os parlamentares que a televisão, o rádio e a internet são veículos de informação instantânea. Não há censura. Quer policial e muito menos ideológica.

Aconteceu: o conhecimento da cidadania é imediato. Não há tempo para alterar a verdade. Esta aparece por inteiro perante a coletividade. Os críticos já não podem adoçar os acontecimentos.

Cada pessoa – em todos os pontos do território nacional – recolhe os fatos e realiza sua própria análise. Esta pode ter efeito benéfico quando da realização de eleições. Afastar os indesejáveis.

O eleitor – único senhor da vontade popular – poderá afastar os maus representantes das casas legislativas. Este o efeito salutar. Existe outro, porém. Agora de natureza maligna.

Os jovens, os futuros cidadãos, que mau exemplo recebem de todos estes acontecimentos. Pensarão que a vida política não contém nenhum substrato cívico. É mero espaço para exercício de locupletamento.

Pena. O Senado precisa recuperar sua dignidade. Os senadores precisam se conscientizar que são observados por toda a gente. Demonstrações de machismo e prepotência não merecem respeito.

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