OUVINTES ALEMÃES! *


Os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial despertam uma continua atenção das pessoas. A irracionalidade dos atos praticados antes, durante e depois do conflito excedeu à imaginação média.

As crueldades praticadas pelos conflitantes e, especialmente, pelos nazistas atingiram grau de insanidade própria de psicopatas sem qualquer sensibilidade ou escrúpulo.

Os horrores iniciaram-se com a perseguição às minorias étnicas ou religiosas e avançaram contra todos os adversários do regime. Bastava discordar das ordens do Chefe para o início das atrocidades.

Todos sabem os flagelos cometidos pelos dois totalitarismos: o bolchevismo pardo – o nazismo – e o vermelho. Foram impiedosos em agredir os opoentes. Uma só verdade deveria imperar.

Este período da História, apesar da busca de esquecimento pelos governos sucessivos, encontra-se presente na mente das gerações. Demonstra esta realidade o interesse despertado por livros e imagens sobre a época.

Alguns querem se interar dos fatos dramáticos ocorridos. Outros desejam combater o ressurgimento dos totalitarismos. Uma minoria silenciosa pretende reviver as perseguições do Século XX.

Nunca – ou talvez proporcionalmente à Inquisição – tantas pessoas foram subjugadas ou liquidadas. De maneira racional, sem qualquer pudor. Tudo era permitido aos detentores do Poder.

A vida, a integridade física, a privacidade e os valores religiosos ou políticos desprezados pela máquina do Estado, centralizado e sem quaisquer limites. Tudo era admitido ao Poder.

Dentro deste contexto, é salutar a recordação daqueles de todos aqueles dias negros vividos pela humanidade, de maneira a não serem jamais esquecidos.

Entre os livros lançados, registrando episódios dos anos 30/40 encontra-se um pequeno exemplar contendo os discursos dirigidos por Thomas Mann, a partir das ondas longas da BBC, ao povo alemão.

As falas não possuem a densidade das grandes obras do escritor alemão, mas indicam com nitidez os acontecimentos e o amargor sentido por Mann ao se dirigir aos seus conterrâneos desde a Inglaterra.

Um dos discursos – o proferido em fevereiro de 1941 – analisa uma arenga de Adolfo Hitler pronunciada no Palácio dos Esportes de Berlim. Como todo o dirigente, em momento de apoteose mental, o ditador se excede.

Faz piadas. Graceja. Ri de seus adversários. Afirma que mente. Eles, no entanto, mentem ainda mais. E ri. Não vê – ou não deseja ver a realidade – prefere ironizar.

Utiliza o pronome “eu” às últimas conseqüências. Ele é o senhor poderoso que tudo pode e tudo domina. Não encontra limites à sua vontade. E o povo alemão aceita, entre aplausos.

As circunstâncias são outras. A maioria dos povos vive regida por regimes democráticos. Estes permitem o exercício da oposição. Assim é se lhe parece.

Na verdade a democracia contemporânea vai se fragilizando. Os meios de comunicação concentram-se sob a direção de poucos. Os partidos políticos ideológicos desaparecem. Instalou-se uma geléia geral.

Tudo se assemelha. Não há diferenças de fundo entre as agremiações partidárias. Apenas os estilos se alteram. Confrontam-se, por vezes. Não indicam, contudo, posições diversas.

Uma pasmaceira se instalou no cenário político. Não se conflita. Acerta-se. Firmam-se acordos. Dividem-se benesses. Ninguém fiscaliza ninguém. Há uma vontade suprema indicando rumos: os interesses subalternos.

Atinge-se, sob o manto da democracia, a vontade única própria dos regimes totalitários e de seus co-irmãos, os regimes autoritários. O pensamento único domina.

Preocupa esta situação. Pensa-se viver em uma democracia, regime que permite a participação de todos. Na verdade, vive-se em uma plutocracia, onde alguns tudo podem. Os outros assistem.

Os costumes e os usos democráticos tradicionais se esvaíram. Os jovens já não atuam. Os adultos consomem. Os velhos lastimam. Ninguém defende idéias. Poucos lutam por valores.

Nestas condições o risco de rompimentos e do surgimento de lideres carismáticos é imenso. Hitler também parecia mera marionete. Tomou corpo próprio e vida. Como um golem, figura artificial e sem alma, tornou-se onipotente.

*Ouvintes alemães! Discursos contra Hitler (1940-1945) ThomasMann
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009

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