QUE FIZERAM?


Todas as cidades possuem áreas a serem preservadas. Cenários de eventos passados. Acontecimentos relevantes desenvolvidos através dos séculos. Nenhuma sofre exceção a esta regra.

As cidades européias – Roma, Londres, Paris, entre outras – marcam com documentos arquitetônicos significativos eventos, que, em variados tempos, sublinharam a História do Ocidente.

Há países que, em virtude da última Grande Guerra Mundial, tiveram que reconstruir monumentos de diferentes espécies. Palácios ou templos. Centros urbanos e regiões agrícolas. Estas reconstruções exigiram intensas e diversificadas buscas de documentos pretéritos.

Os puristas se atiram contra as reconstruções. Preferem uma área nua a edifícios reconstruídos. Estes seriam simulacros. Aproximar-se-iam de estelionatos arquitetônicos. Pode ser. Há, porém, mais a merecer reflexão.

Os povos mantêm em seu subconsciente a imagem de determinados monumentos. Estes são registros mentais importantes. Os seus traços são transferidos geração após geração. Indicam a própria identidade da comunidade.

Esta constatação levou à reconstrução de múltiplas obras existentes em cidades destruídas por guerras ou desídia de governantes ou pessoas irresponsáveis.

Na cidade de São Paulo não foi diferente. A busca da modernidade levou a prefeitos insensíveis a destruir templos barrocos e outras edificações por todo o centro histórico e adjacências.

Importava abrir avenidas para automóveis. Remodelar a arquitetura. Conceder espaço para edifícios de discutível beleza arquitetônica. Já não valia preservar o velho barroco paulista. Simples e sóbrio.

Este – o barroco paulista – seria vulgar, menos grandioso, na cidade que ia se tornando a capital econômica do Brasil. Já não importavam as velhas igrejas que compunham o triângulo centro da cidade.

Salvaram-se algumas. Mero milagre. Permanecem com seus traços originais o Convento dos Franciscanos, no Largo de São Francisco, onde se situa a velha Faculdade de Direito, e a Igreja do Carmo, aos pés da Praça Clovis Bevilacqua.

Nos últimos anos – graças ao então arcebispo, Cardeal Cláudio Hummes – o ciclo perverso foi sustado. A Igreja da Boa Morte, um belo templo do início do Século XIX, mereceu primorosa restauração.

A Boa Morte localiza-se na antiga entrada da cidade, junto à Rua Tabatinguera, ponto alto que permitia o anúncio dos tropeiros que se aproximavam, vindos do porto de Santos.

Quando Pedro I, após a Proclamação da Independência, lá pelos idos do Ipiranga, aproximou-se do centro histórico de São Paulo, foram os sinos deste templo que o saudaram e festejaram o ato de libertação.

Outros templos não tiveram a mesma sorte. Por motivos políticos ou religiosos, foram confiscados pelo Estado e destruídos. Entre estes, o mais relevante caso é a Capela do Pateo do Collegio.

Pertencente à Companhia de Jesus, a velha capela teve a mesma sorte de seus titulares, os jesuítas. Estes foram expulsos pelos governantes e o templo por estes destruído.

No governo do prefeito Olavo Setubal, após múltiplos movimentos de opinião, a velha igreja dos jesuítas mereceu reconstrução. As antigas e poucas paredes que permaneceram foram preservadas e restauradas.

No seu interior, o que restara do altar principal, recolocado na posição primitiva, permitia ao visitante, com o auxílio da imaginação, restabelecer o passado.

Aconteceu, no entanto, o pior. A tola modernidade levou os administradores do templo reconstruído, a retirarem os elementos originais e a edificarem altar sem qualquer ligação com o passado.

Ainda agora, na Espanha, em um pequeno povoado, Enveny, pessoas escrupulosas reconstruíram o retábulo de uma igreja vendida há mais de cem anos por um padre em busca de dinheiro.

Longa pesquisa foi realizada. Consultados museus que mantinham fragmentos do velho altar. Com base nestes elementos, a reconstrução se verificou, o material utilizado: papel.

Aqui, nenhuma réplica ocupa a Igreja do Pateo do Collegio. Em seu lugar, arquitetura moderna em conflito com os traços do templo reconstruído. O que diriam os inteligentes jesuítas do passado?

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