UM LIVRO, UMA LUTA


Nas últimas semanas, o noticiário esteve repleto de registros sobre a chamada Reforma Eleitoral. Na verdade meras modificações muito pontuais na legislação vigente. Não se aprofundou o legislador; mas mesmo assim causou o assunto grande interesse em toda a cidadania.

O tema mais polêmico foi, certamente, aquele relativo ao uso da internet nas eleições. Alguns poucos senadores mostraram-se distantes da contemporaneidade. Atrasados.

Prenderam-se a argumentos frágeis e pouco avançados para procurar impedir a utilização deste novo instrumento de comunicação em pleitos eleitorais. Certamente, acostumados a arranjos provincianos temem a liberdade permitida pela internet.

Para uns poucos tudo deve permanecer obscuro e controlado por cabos eleitorais à moda antiga. Felizmente, as pretensões ultrapassadas foram vencidas. No próximo pleito a internet poderá livremente informar.

O interessante é que, na semana em que o processo legislativo correspondente à Reforma Eleitoral findava, instigante livro era lançado em São Paulo. Demonstra este livro que em todos os tempos existiram pessoas atrasadas e insensíveis a novas conquistas.

O livro – Voto Feminino & Feminismo* – aponta para as lutas das mulheres na conquista do direito de eleger representantes e serem eleitas. Foi árduo o combate. Diva Nolf Nazario no longínquo ano de 1923, seguramente com muito esforço, publica um pequeno volume.

Este volume é agora republicado em edição fac similada. Constitui notável conjunto de fontes primárias referentes à luta de muitas e particularmente da autora em busca da cidadania. Os argumentos contra esta conquistas mostram-se pueris e cínicos.

Vamos lá. A autora, jovem estudante de Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, buscava obter título de eleitora. Dirige-se à Justiça de primeira instância. O indeferimento foi pleno.

O fundamento da decisão, qual foi? A Constituição de 1891 referia-se apenas ao cidadão. Afastava, pois, a figura da cidadã e, em conseqüência, a mulher – figura do gênero feminino – não podia exercer os direitos e deveres próprios da cidadania.

Estes últimos eram reservados tão-somente aos brasileiros do gênero masculino. A mulher seria talhada para conceber e criar filhos. Não teria condições para o exercício dos atributos da cidadania, assim como não poderia participar da arma da cavalaria (sic).

Aqui eram argumentos trazidos em grau de recurso. Assim pensavam os magistrados do ano do Centenário da Independência do Brasil, 1922. Mas as vedações não ficavam restritas no âmbito do Judiciário.

Diva pretendeu votar em eleições internas do Centro Acadêmico 11 de Agosto, tradicional coletivo da Faculdade de Direito de São Paulo. Ainda aqui, agora seus colegas, tentaram impedir o exercício do voto.

Todos eram liberais. Nas palavras, nos atos concretos, no entanto, mostravam o reacionarismo existente em nossa sociedade. Sempre pronta a elaborar bons discursos e praticar atos censuráveis.

Jamais agir com amplitude de atitudes. É verdade que a autora, de maneira aparentemente comovida, dedica seu livro – Voto Feminino & Feminismo – a uma categoria específica de pessoas:

“A classe dos nobres jornalistas, em sinal de profunda admiração pelo seu incomparável e continuo labor em prol do engrandecimento da Pátria, dedico este insignificante trabalho”

Os traços das categorias mantêm-se presentes nos dias de hoje. Algumas figuras do Judiciário permanecem irrealistas e bons jornalistas continuam combatendo por causas relevantes.

Os valores de cada corporação se transmitem entre gerações. E, em todas as corporações, se encontram hoje presentes as mulheres. Combativas, denodadas, sem perder os atributos da feminilidade.

Têm-se ainda muitos preconceitos a serem afastados. A leitura do pequeno livro de Diva Nolf Nazario permite compreender que não pode haver pausa nas reivindicações. Só o bom combate edifica bons cidadãos.

Diva Nolf Nazario
Voto Feminino & Feminismo
Edição 2009 – Imprensa Oficial de São Paulo
Edição príncipe 1923 – Da autora

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