OS RISCOS DO NOVO CAPITALISMO


Os últimos duzentos anos registraram o nascimento do capitalismo e sua ascensão à condição de regime econômico dominante. As formas de produção capitalistas superam as de qualquer outro sistema econômico.

No seu desenvolvimento ocorreram inúmeras episódios de violência. Movimentos sociais dizimados a golpes de baionetas. Selvagens exigências impostas aos trabalhadores.

Menores submetidos a situações degradantes. Mulheres operando até o máximo de suas forças. Pessoas marginalizadas pelo desemprego e pela pobreza endêmica.

Ausência de possibilidade de expressão plena de vontade por parte dos trabalhadores. Leis severas – como as de Bismarck – sufocavam espaços mínimos de expressão e de reivindicações.

Restavam, sempre, porém, lampejos de liberdade e, nestes espaços, paulatinamente, organizaram-se sindicatos e partidos destinados à defesa dos grupos sociais explorados.

Estes espasmos de liberdade permitiram o surgimento dos partidos sociais democráticos e – de maneira relevante – das agremiações comunistas. A par destas conquistas, havia um conflito intelectual respeitável.

Podiam combatê-lo, mas os capitalistas permitiram a Marx se expressar e, assim, um rico debate de idéias progrediu por toda a Europa, particularmente na Alemanha.

Chocaram-se, posteriormente, as duas concepções de vida: a capitalista, veiculada pelos liberais, e a comunista expressa pelo aparelho de estado da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

A guerra fria foi período sensível e preocupante da História. A todo o momento, aguardava-se a explosão do conflito global. Este poderia conduzir ao fim da humanidade, se usados os artefatos atômicos.

O comunismo real, após sessenta anos de vigência, desfez-se como uma bolha de sabão. Pouco restou. Os antigos comunistas escondem-se, hoje, em legendas anódinas e mais parecem sonâmbulos.

Conclui-se que o capitalismo em sua longa caminhada violou princípios fundamentais dos direitos das pessoas. Sufocou, muitas vezes, valores inerentes à dignidade humana.

Nunca, todavia, encerrou todos os espaços de liberdade. Aqui e ali válvulas de escape permaneciam abertas. Por estes espaços de liberdade, construíram-se doutrinas e implantaram-se os direitos sociais.

Por que estas recordações? Primeiro para demonstrar que o capitalismo conviveu com a liberdade por séculos. Utilizou-se da liberdade para permitir o desenvolvimento da sociedade.

Não procurava o capitalismo clássico apenas a busca de eficiência da produção e da preservação da possibilidade concorrência entre os agentes. Ou a procura de maiores lucros.

Respeitava – ainda que minimamente – a liberdade das pessoas. Aqui começa a divagação oportuna. Liberdade e capitalismo conviveram, entre situações de amor e ódio. Mas, conviveram.

Agora, surge entre os agentes capitalistas a estranha figura do capitalismo chinês. Em uma situação paradoxal, convivem comunismo e capitalismo. O primeiro sob a égide da ditadura do proletariado.

O segundo, o capitalismo a moda chinesa, utiliza métodos de produção tão degradantes como aqueles impostos pelos proprietários nos primórdios da Revolução Industrial.

Tudo é permitido. Explorar as últimas conseqüências a força de trabalho. Não importa os sacrifícios da população. Interessa os lucros do grande capitalista: o Estado chinês.

Capitalistas de todo o mundo uniram-se. Transformaram os centros produtivos da China em novas senzalas. O povo trabalha pela subsistência. Bloquearam a concessão de espaços de liberdade.

A eficiência – sempre tão almejada pelos detentores dos meios de produção – foi alcançada. Não importa a ausência de liberdade. Não comove a ausência de direitos sociais.

Ganhou-se em produtividade. Os custos de produção tornaram-se mínimos. Ai a vantagem. Aqui também o risco. As democracias representativas estão em crise. A China economicamente exuberante.

Amanhã, acadêmicos desavisados e políticos gananciosos poderão passar a defender a adoção do modelo chinês nas democracias ocidentais, hoje tão pouco operantes.

Ganharia a eficiência e a liberdade – tão incomoda para muitos administradores públicos – seria conduzida para o túmulo da História. Parece sátira. Poderá acontecer se não nos cuidarmos.

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