ELES NÃO CONVENCEM


Entra-se no período anual das antigas festas pagãs: as lupercais ou bacanais. Recebidas pelo cristianismo foram toleradas em toda a Idade Média.

Nos velhos burgos, aconteciam as festas. Confundiam-se rituais cristãos e os antigos festejos em homenagem a Pã ou Lupércio. Nas raízes, a busca da fertilidade, por meio de corridas e banquetes orgíacos.

Veio a Reforma Religiosa. As lupercais – ou carnavais – acabaram. A austeridade substituiu os festejos repletos de carnes: a humana pelo relacionamento entre corpos e a de bode, pelo sacrifício destes animais.

A Europa se enquadrou. As festas, depois da Reforma, no espaço dos países católicos, resumem-se a ingênuos passeios ou bailes de mascarados. No espaço oeste da Alemanha, ocorrem desfiles de ordens ou clubes.

Tudo é rigorosamente organizado. Os corpos cobertos, ainda porque o inverno costuma ser rigoroso nesta época do ano, no hemisfério norte. Costumes e mau tempo conduzem ao recato.

O carnaval no trópico é diferente. Os corpos se mostram com a desenvoltura de Adão e Eva antes da maçã. Giram. Correm. Aproximam-se e se afastam em um ritmo intenso e sem descanso.

É notável a energia perdida durante os três dias dedicados ao velho deus Pã, aquele que impunha chicotadas de pele de bode para a garantia da fertilidade.

Como ninguém dá a menor importância à lembrança do deus pagão, nas ruas e avenidas, de norte a sul de leste ao oeste, novos ingredientes vieram a se incorporar aos clássicos bacanais.

Os negros e os índios contribuíram com suas formas alegres e festivas de comemorar mil situações e elementos da natureza. Os maracatus pernambucanos – em suas formas rural e urbana – apontam para festejos ancestrais.

As escolas de sambas, com seus carros alegóricos, apontam para a chegada de novos componentes. Os grandes carros, antes empurrados por abnegados, hoje são movidos por motores de alta potência.

Por toda parte blocos de esfarrapados se divertem, sem preocupação de serem vistos nas televisões. Caem na folia com a liberdade própria de quem deseja apenas comemorar período sem limites morais definidos.

As velhas cidades, especialmente o Rio de Janeiro, conheceram folguedos com laranjinhas de água. Pequenos frascos que continham todos os tipos de líquidos.

Os conflitos foram tantos que, com o tempo, o costume deixou de ser praticado. Restaram as formas tradicionais de comemoração. A utilização do próprio corpo como elemento de satisfação pessoal.

Parece que a busca da liberdade, encontrada em todas as manifestações carnavalescas históricas, liga-se muito à questão central da nacionalidade: a busca de uma liberdade sem cerceamentos.

Quando a liberdade tornava possível, explodia em todas as formas disponíveis. Dançava-se. Cantava-se. Criticava-se. Ria-se da própria fragilidade.

As coisas mudaram muito. As escolas de samba atuais deixaram de contar com a espontaneidade. São grandes produções artísticas, mas com um rigor de movimentos próprios de mamulengos.

É pena. O carnaval perdeu suas raízes. Hoje, importa marcar presença nos camarotes dos sambódromos, especialmente para os candidatos em ano eleitoral.

Sorriem afetados. Distribuem abraços constrangidos. Acenam de maneira mecânica. Carnaval não combina com política. São cenários antagônicos; quando se misturam, algo está equivocado.

O carnaval perdeu sua essência ou a política deixou de ser atividade cívica. Aproveitar o carnaval para obter exposição, nas avenidas de todas as cidades, não engrandece o político e desmerece o carnaval.

Este ano – como todos os anos – desde a democratização dos anos 70, o espetáculo irá se repetir. Sem usufruir da liberdade própria dos festejos carnavalescos, centenas de políticos estarão presentes nos desfiles.

Inibidos, sem qualquer espaço de liberdade, ainda porque suas seguranças não permitirão que se movam e se desloquem com desenvoltura, os políticos parecerão autômatos.

Aí o pior. Irão se assemelhar a bonecos. Jamais a carnavalesco livres de amarras. Tudo que é falso, é ruinoso. Os políticos poucas vezes captam as mais simples constatações.

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