DESEJA-SE EXTINGUIR O ABORTO SEM BUSCAR CAUSAS E COM CINISMO


Há temas que suscitam posições extremamente antagônicas. Dizem respeito a valores fundamentais das pessoas. A vida é um destes temas, particularmente quando enfrenta a questão do aborto.

O assunto sempre é atirado à responsabilidade da mulher. Ela suporta todos os ônus da prática do aborto ou da preservação do feto. Em tempos de novos pensamentos, a mulher ainda continua prisioneira de seu próprio corpo.

Muitas sociedades enfrentaram de frente o grave problema. Debates intensos se desenvolveram. A opinião pública foi captada e soluções dolorosas, mas realistas foram encontradas.

No decorrer do século XX, numerosos países adotaram a “exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez”. Libertaram a mulher da responsabilidade criminal pelo controle de seu corpo.

Muitos chamaram a este movimento de Revolução do Aborto e, ainda assim, pensadores reconheceram ser este “o mais complexo e o mais importante dos assuntos da política da família”.

Em países de profunda laicidade, bem como de religiosidade tradicional, novas normas mereceram elaboração e a mulher foi protegida física e psicologicamente ao se submete a ação abortiva.

Entre os países que, recentemente, reelaboraram leis sobre o tema se encontram Espanha e Portugal, duas sociedades com valores similares aos presentes em nossa comunidade nacional.

Após a promulgação dos documentos legais, não há notícias de qualquer exasperação da prática nestas sociedades. Às mulheres foi reconhecido o direito sobre seus corpos e estas souberam agir com sabedoria.

Não há ninguém a favor da interrupção da gravidez. O mais rude dos seres humanos tem, em sua consciência, marcada a importância da vida, inclusive em seus estágios iniciais.

No entanto, há situações da vida e acontecimentos inusitados que merecem ser objeto de um debate amplo, sem falsos preconceitos. A vida deve ser preservada, especialmente da mulher, sempre depositária das futuras gerações.

Oportuna, pois, a pesquisa realizada pela Universidade de Brasília. Ela mostra as circunstâncias em que a mulher se submete à interrupção e ainda o cenário social onde ela se insere.

Uma universidade tem a responsabilidade de pesquisar situações de ponta da sociedade. Não deve se preservar em castelos cercados por muros por todos os lados.

É cansativo constatar que as universidades brasileiras, comumente, se dedicam a pesquisar o óbvio. Fogem de novos desafios e procuram ficar alheias à realidade social que as cercam.

A UNB, concebida por um pensador que se dedicou a pensar o Brasil, Darcy Ribeiro, mostra destemor e coragem ao pesquisar o assunto tão marginalizado na nossa política e nos meios de comunicação.

A Pesquisa Nacional do Aborto é corajosa iniciativa que, certamente, provocará reações díspares. Pouco importa. O importante é romper o cinismo existente em todos os espaços de nossa sociedade.

Costuma-se, por aqui, esconder a realidade e viver falsa normalidade. É assim em todos os campos. A criminalidade é concebida como mera questão de polícia.

Não se buscam as causas. Apenas deseja-se o extermínio do indesejável, especialmente para as minorias do vértice social. O aborto coloca-se no mesmo quadro, com agravantes em virtude da religiosidade.

Como outros povos fizeram, é necessário encarar o problema com seriedade, preservação da escala de valores, sem esquecer os desconfortos da vida, particularmente da mulher.

Fechar os olhos para a realidade é preservar dois cenários: o da criminalidade e do sofrimento para as mulheres pobres e a do conforto dos hospitais de ponta para as mulheres abonadas. É cínico.

A UNB mostrou-se digna de sua sistória e capaz de ser contemporânea de seu tempo. Merece respeito de todos aqueles que admiram as instituições, quando deixam de lado as vaidades acadêmicas e se lançam na busca de soluções contemporâneas.

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