TRINTA E TRÊS


Há mais de um mês, trinta e três mineiros chilenos se encontram soterrados na mina de São José, próxima da cidade de Caldera. Todos os esforços governamentais se realizam para salvá-los.

A solidariedade internacional é oferecida pelos Estados Unidos, por intermédio da NASA. A agência espacial tem experiência para tratar de pessoas isoladas por longo tempo.

Os problemas são muitos. A ausência de familiares. A liberdade de se locomover. A possibilidade de conviver com amigos, de maneira eletiva. E, acima de todas as angústias: a ausência do dia e da noite.

Os mineiros estão sepultados, no fundo de uma mina, onde não ocorrem as mudanças entre a luz, oriunda do sol, e o escuro originário da noite. Há a monotonia do ambiente sempre igual.

Este fato pode levar à depressão e ao desespero. Os ritmos biológicos se alteram com a ausência da dicotomia entre dia e noite. A permanência de um só cenário leva a mudanças orgânicas sensíveis.

Os mineiros sofrem. Segundo informações oficiais, mantêm bom estado de ânimo, mas ao voltarem à superfície – aqueles que afinal conseguirão – terão suas personalidades modificadas.

O acompanhamento psicológico é constante. Os seus resultados só serão conhecidos quando o drama chegar ao seu término. No entanto, enquanto os longos dias se passam, cabe pensar um pouco além do drama.

O Chile comemora, no próximo dia 18 de setembro, o bicentenário de sua independência política. Ocorrerão, certamente, festejos por toda a parte. Pouco, contudo, recordaram os sofrimentos do povo chileno no decorrer destes dois séculos.

O País dedicou-se a extrativismo no desenvolvimento de sua história. Tudo é marcado pelos minérios extraídos e remetidos aos países industrializados.

Quando se percorrem as ruas da cidade de Santiago, em seu centro histórico, a todo o momento surgem palácios residenciais, indescritíveis por seu tamanho e riqueza de seus interiores.

Os proprietários de minas tinham a volúpia de demonstrar sua riqueza e poder. Não importava o sofrimento de milhares e milhares de trabalhadores operando em situações subumanas.

A tragédia da mina São José demonstra que as formas de implementação da indústria extrativa se alteraram. Hoje, os capitais se albergam em sociedades anônimas, sem rosto e dissimuladas em campanhas de “responsabilidade social”.

Esta, porém, só aparece nos informes publicitários. A realidade continua a mesma dos tempos da colônia ou da vida independente. Tudo para o capital, pouco importam as pessoas.

Uma voz levantou-se com nitidez sobre o drama dos mineiros chilenos. Foi a do bispo de Copiapó, Gaspar Quintana. Apontou para ausência de fiscalização das minas.

Onde há muito dinheiro, sempre existe a possibilidade de corrupção. Os minérios estão com alto preço no mercado internacional. A mão de obra na região de Copiapó é farta e o desemprego é grande.

Recorda ainda Gaspar Quintana que a mina fora fechada por razões de segurança e reaberta. As suas palavras são repletas de amargura. Todo o acidente – ainda sem fim previsto – mostra o descaso com a vida humana nesta América Latina.

Existe uma cultura de descaso pelo sofrimento alheio. Só importa para alguns a conquista imediata do lucro e do bem estar pessoal. Pouco se pensa nas angústias e na segurança alheia.

Nada é tão barato neste continente como o ser humano. Vale pouco. Sua produção é em massa. Pode ser utilizado sem qualquer pudor. O episódio da Mina de São José se repete por toda a parte. Sem escrúpulos.

Os meios de comunicação registram a tragédia, sob o ponto de vista do inusitado. Não apontam, mesmo longinquamente, as causas do soterramento dos trinta e três mineiros.

Milhões são soterrados diariamente por toda a América luso-espanhola. Ninguém tem olhos de ver. As consciências se encontram obliteradas. Os casarões de Santiago do Chile simbolizam esta verdade.

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