CONSUMO: ATIVIDADE PERIÓDICA TAMBÉM É RELAÇÃO DE CONSUMO.


Prezado consumidor, quando desenhamos mentalmente a imagem de um fornecedor, geralmente nos surge o famoso português com o lápis atrás da orelha que encontramos toda manhã no caixa da padaria, os límpidos e movimentados corredores das grandes lojas de departamento, o aspecto sério e desconfiado das agências bancárias, o organizado requinte das autorizadas de veículos, os abarrotados shopping centers com suas decorações de época, enfim, habitualidade, cotidiano.

Em um evento beneficente, em um jantar comemorativo ou até mesmo num encontro religioso, não nos reconhecemos como consumidores porque não conseguimos atestar a habitualidade da ocasião nem conceber a idéia do lucro tipicamente comercial. Daí a nossa sensação de estarmos simplesmente em uma cena social, apertando mãos, distribuindo sorrisos, considerando a hipótese de qualquer reclamação, mesmo um resmungo, atitude vergonhosa e insensível de nossa parte.

Pois saiba, no entanto, que essas ocasiões podem muito bem configurar uma relação de consumo, cabendo a você o papel de consumidor. Mas para isso, é preciso inserir o fornecedor na definição legal. Nos termos do artigo 3.º, caput, do Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990,FORNECEDOR é  “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (grifo nosso).

O legislador pretendeu alcançar Deus e todo mundo com essa definição. E literalmente. Tomemos como exemplo um congresso anual de uma instituição religiosa. Trata-se de evento que ocorre apenas e tão somente uma vez por ano. Além disso, essas instituições, na sua grande maioria, não têm fins lucrativos. Entretanto, conforme se depreende do conceito de fornecedor acima, o Código é claro ao expressar que para tanto, basta desenvolver atividades. Não exigiu a habitualidade do comércio cotidiano, nem sua finalidade lucrativa.

Exige-se, sim, certa REGULARIDADE. Se o encontro acontece todo ano, há décadas, caracteriza-se comoatividade periódica, mesmo que dure só dois ou três dias, tendo na pessoa da sua promoção um fornecedor, logo uma relação de consumo.

Além do que, sabe-se que nesses congressos são montadas feiras de livros, quadros, Cd´s, DVD´s, ofertando-se, ainda, todo um conteúdo programático de palestras e sessões de autógrafos, inobstante o preço da inscrição. Posto que daí, a relação de consumo se torna indiscutível, podendo o congressista, na qualidade de consumidor, reclamar tanto dos vícios dos produtos adquiridos como do cumprimento da programação anunciada, amparado pelo Código do Consumidor.

Obviamente que as queixas deverão, sem dúvida, se pautar pelo bom senso que a ocasião requer. Em um evento festivo como esse, por exemplo, reclamar do conteúdo de uma palestra pode parecer, de fato, indelicado, diante da emoção e subjetividade a que está sujeito seu expositor. Não deve, contudo, o consumidor, aceitar com passividade alterações de última hora que lhe impossibilite usufruir do evento conforme programado, podendo tais modificações caracterizar descumprimento da oferta ou cumprimento em desacordo com a informação veiculada.

Se você não recebeu sua canequinha de brinde de participação, em razão de terem sido adquiridas menos unidades que o número de inscritos ou se não obteve o autógrafo daquele ilustre palestrante, nos quinze livros que você comprou, inclusive para presentear parentes e amigos com a tão aguardada dedicatória, devido à ausência do autor, RECLAME! Exija sua lembrança, devolva os livros, se quiser.  Afinal, rompeu-se o conteúdo do programa, frustrou suas expectativas, ora o mínimo que o fornecedor deveria garantir.

Outro exemplo bem comum de atividade periódica é a confecção e venda de bordados e porcelanas à época do Natal por determinadas pessoas, para doações. Essa generosa e regular dedicação lhes inserem no conceito de fornecedor. São pessoas físicas, que desenvolvem atividade durante certo período, todos os anos, portanto, com regularidade, podendo, assim, com base no Código do Consumidor, ser demandadas a reparar eventuais vícios nos produtos comercializados.

A finalidade lucrativa também não é requisito para a caracterização da pessoa física ou jurídica como fornecedor. O parágrafo 2.º do supracitado artigo 3.º, do Código do Consumidor, define SERVIÇO como “toda e qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração (…)”(grifo nosso). Por remuneração, entende-se qualquer forma de recebimento, que não necessariamente deva gerar lucro. Talvez só o suficiente para a manutenção da atividade, um pouco mais, um pouco menos, o que interessa é o recebimento.

Portanto, Atividade Periódica é aquela que supre o mercado de forma regular, cíclica, não necessitando da habitualidade comercial a qual estamos acostumados, nem de finalidade lucrativa para caracterizar-se como relação de consumo, e quando você caro consumidor, se deparar com tais situações, ainda que seja uma comemoração religiosa, reclame! Não é grosseria, indelicadeza, muito menos pecado. É direito seu!

Lembre-se que cada vez que você deixar pra lá, estará contribuindo para rebaixar essas atividades ao rodapé da história do direito do consumidor.

CARLOS EDUARDO CAGGIANO é advogado em São Paulo, Especialista em Direito Empresarial pelo Mackenzie e em Direito das Relações de Consumo pela PUC, foi Assistente Técnico de Diretoria da Fundação Procon-SP (rel.consumo@yahoo.com.br).

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