TUDO VEM DE LONGE


Tudo começou em março de 1609. Nesta data promulgou-se a lei que institui o regimento do primeiro Tribunal de Relação do Brasil. É curioso. Entre os primeiros funcionários, o Padre Antonio Vieira.

Os desembargadores eram em número de dez. Estes deram início à caminhada do Poder Judiciário brasileiro. Desde então, fixou-se que as sessões teriam duração de quatro horas, marcadas em relógio de areia.

A partir desta primeira Casa de Justiça, conceberam-se os usos e costumes que, até hoje, formam a cultura do Judiciário nacional. Formalismo. Todas as sessões da Corte eram precedidas de missa.

O celebrante ganharia sua côngrua às custas da Relação. Ninguém, desde então, reza ou ora de graça. Para se atingir o divino, há sempre um preço. No caso, a Fazenda Real pagava.

O mobiliário do primeiro tribunal instituído em solo pátrio era de luxo. Escabelos em couro estofados. Todos da mesma altura. Cadeiras rasas para os desembargadores.

Os panos para cobrir as mesas de despacho de boa seda, o tinteiro de prata, os demais objetos cobertos por lã. Todas as despesas suportadas pelo erário do Reino, como de boa prática.

Assim nasceu, na Bahia, o núcleo primeiro das práticas forenses do País. Não faltou luxo. Conforto. E visão salvática. Para julgar, a consciência necessita estar em paz. Uma boa missa resolve.

A evolução do Judiciário foi lenta. Sempre repleta de acontecimentos extravagantes, como a possibilidade do juiz candidatar-se a cargos eletivos. Prática desastrosa.

Houve época em que o parlamento era composto por juízes e fazendeiros, os chamados tamanduás. A representação da sociedade era mera fórmula livresca. Tornou-se esta faculdade – o juiz candidato – extremamente grave.

Exigiu legislação proibindo os juízes de exercer funções eletivas. Regra que perdura perenemente na estrutura legal. Hoje, o Juiz exerce estritamente suas altas funções, com a faculdade de lecionar.

Um elemento perdurou desde sempre no Judiciário pátrio. A fuga à transparência. A boa publicidade iluminava apenas os autos processuais. Jamais as práticas administrativas.

Um erro. O mundo contemporâneo exige a publicidade de todos os atos praticados. Este imperativo não se impõe apenas aos órgãos públicos. As grandes empresas abertas também devem segui-lo.

Assim, as contestações de alguns magistrados contra atuação do Conselho Nacional de Justiça mostram-se em desacordo com os valores da contemporaneidade.

Fere as boas práticas administrativas e particularmente a exigência da fiscalização dos dinheiros públicos por toda a sociedade. O Supremo Tribunal Federal, na semana finda, agiu com sensibilidade.

Permitiu ao Conselho Nacional da Magistratura que permaneça em suas atividades fiscalizadoras e com plena publicidade. Nenhum cidadão é melhor do que outro nas democracias.

A situação surgida, no entanto, exige cuidados. O Conselho Nacional da Justiça não pode, contudo, agir como órgão inquisitorial e truculento. Deve ter em conta a dignidade humana, inerente a cada magistrado.

O CNJ foi uma criação extemporânea. Deve merecer reexame em sua estrutura e período de investidura de seus membros. Mandato de dois anos é prazo muito estreito.

A sua composição, certamente, exige um rearranjo. Ela pode favorecer o aparecimento de eventuais aproveitadores dos cargos, em face de exigüidade de tempo dos mandatos.

Venceu o Judiciário mais uma etapa na luta pelo seu aperfeiçoamento. O problema da morosidade dos processos. Está no espaço da legislação processual.

Desde o século XVII, copiamos modelos do exterior. Jamais pensamos em criar um processo de acordo com as exigências nacionais. Falta coragem para inovar. É preciso deixar de “colar” os arcaicos processualistas europeus.

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