ELEIÇÕES GERAIS – 2014


ELEIÇÕES GERAIS – 2014.
A COMPETIÇÃO ELEITORAL ANTECIPADA
A organização das forças políticas para a corrida eleitoral de 2014.
O Vice que passa a atender a dois diferentes programas governamentais.
O Estatuto do Vice

A aproximação das eleições de 2014 já começa a produzir um quadro exótico e diferenciado. A largada parece ter sido dada. As forças políticas encontram-se em manifesta atividade preparatória e, para tanto, o ritmo assume uma velocidade extremamente acelerada. Enfim, toda semana há novidades que denotam claramente a movimentação dos partidos, das autoridades, dos detentores de mandatos eletivos e até mesmo dos membros da cúpula do Judiciário – todos envolvidos na pavimentação adequada do terreno a recepcionar a consulta eletiva do próximo ano; preparativos estes que cada um dos setores do cenário político busca utilizar em seu benefício.

Com efeito, em período não superior a um mês a cidadania presenciou o corte cirúrgico quanto a assentos parlamentares produzido por via de Resolução do Tribunal Regional Eleitoral, editada em 9 de abril deste ano de 2013. A título de ajustes e, marginalizando o preceito constitucional que requer lei complementar (§ 1º, art. 45) para a fixação do número de cadeiras na Câmara Federal a que os Estados-membros fazem jus, o Judiciário resolveu por conta própria a questão, adentrando nas atribuições do Legislativo.

Mais que isto, em 24 de abril, Ministro integrante da mais alta Corte Judicial suspendeu a tramitação de um projeto de lei que pretendia limitar a viabilidade de participação política das agremiações “nanicas” recém criadas, sufocando-as por lhes vedar o acesso a recursos do fundo partidário e o direito de antena. O Projeto de Lei nº 4.470/2012, contudo, não detinha qualquer falha ou defeituosidade formal, quanto ao atendimento do devido processo legislativo. E, no mérito, o Judiciário somente poderia adentrar, para análise, a posteriori, quando já em vigor a lei. Isto, na hipótese de detectada inconstitucionalidade. O STF, no entanto, no exercício do papel de contra-poder, entendeu que poderia obstar a fase de discussão e de deliberação do PL, produzindo brutal ingerência nas atividades que são próprias dos Parlamentos.

Em seguida, o próprio Legislativo apressou-se em assegurar visibilidade à sua presença como Poder, aprovando a PEC nº 33/2011, texto que tem por escopo autorizá-lo a alterar o quorum necessário para que o Poder Judiciário declare a inconstitucionalidade das leis e dificulta a execução de decisões proferidas em âmbito jurisdicional. Estes episódios, aliás, vem claramente examinados em artigo de autoria dos professores GIBERTO BERCOVICI e MARTONIO MONT’ALVERNE BARRETO LIMA, publicado no Blog Patrocine o Viomundo, em 3 de maio de 2013.

Ainda mais, desde meados de abril deste ano de 2013, a fusão do PPS com o PMN vem espalhando um clima de tensão no epicentro político. É que um dos reflexos mais evidentes da última consulta eleitoral de 2010 trouxe a lume o crescimento dos partidos de médio porte e sua maior possibilidade de êxito quanto aos resultados das urnas. Evidente a manobra aglutinadora para o enfrentamento de 2014.

De qualquer forma, não há como deixar de reconhecer, a esse passo, que o atual modelo democrático, praticado no nosso cotidiano, consagra a presença dos partidos, erigidos a atores centrais da plataforma política no momento eleitoral que está em pleno processo organizatório. Destarte, não deve ter surpreendido a cidadania o último dos movimentos visualizados neste cenário de competição, que trouxe para a base político-partidária do governo federal uma das personalidades mais marcantes do recente – porém potente – PDS; nada mais, nada menos que o Vice-Governador do Estado de São Paulo, integrante de um programa governamental de oposição ao governo federal.

Restou evidente: os partidos estão se posicionando, como em um jogo de xadrez, para a competição eleitoral de 2014. O espanto geral, contudo, foi ocasionado pela dupla função que o Vice-Governador, nomeado para o cargo de Ministro da Presidenta da República, irá executar caso, de fato, o futuro lhe reserve a possibilidade de exercer o posto ministerial concomitantemente com o mandato de vice.

Vale a pena, pois, verificar o estatuto do Vice e examinar em que medida se pode falar em sintonia de atuação nas duas nobres e relevantes posições.

O Estatuto do Vice.

A preocupação quanto à instalação de elementos de barreira a obstar a acumulação de atividade político-representativa com outra, quer da esfera pública, quer da privada, dimana da própria intensidade da busca por sistemas de depuração do cenário político. Transpassa o panorama pré-eleitoral para exigir dos vencedores dos pleitos eletivos, já prontos para assumir o status de representantes/governantes, posturas éticas, direcionadas ao atingimento do interesse geral da coletividade e, portanto, o afastamento de ligaduras e interesses que possam, eventualmente, macular e desviar as condutas políticas. O tema vem alojado, portanto, no panorama dos impedimentos opostos ao exercício de mandatos político representativos.

No rol desses impedimentos avulta a figura da incompatibilidade. Como registrado no nosso Sistemas Eleitorais X Representação Política , desponta esta na condição de restrição e isto quando já superada a fase eletiva, consubstanciando-se em óbice ao exercício do cargo pleiteado e impondo ao eleito uma opção. Desse mesmo sentir, na literatura comparada, a lição de Michel Ameller , assinalando que a incompatibilidade emerge após o processo seleção, implicando para o vencedor numa escolha entre as sua tarefas, incompatíveis com o exercício do cargo, ou o afastamento para que, assim, possa assumir as funções para as quais foi eleito. E, nessa esteira, ainda, as ponderações de Pierre Avril e Jean Gicquel (Droit Parlementaire, Paris, Montchrestien, 1996), Yves Guchet (Droit Parlementaire, Paris, Econômica, 1996) e George Burdeau, Francis Hamon e Michel Troper (Manuel-Droit Constitutionnel, Paris, LGDJ, 1991).

Francisco Berlin Valenzuela , analisando a temática, aponta, a seu turno, a inviabilidade do desempenho, concomitante, de funções incompatíveis por definição constitucional. Indica como seu fundamento a necessidade de se assegurar condições ao adequado cumprimento das relevantes responsabilidades que envolvem o exercício dos cargos políticos. O que se persegue, enfatiza o mestre, é a garantia da “unidade e da ordem a prevalecer na atividade dos órgãos”

Em verdade, em todas as partes, as constituições adotadas em ambientes democráticos tem acolhido, no seu bojo, impedimentos ao exercício cumulativo de postos políticos, indicando um elenco de situações a inviabilizar a investidura do candidato no cargo conquistado nas urnas, salvo a desincompatibilização da função com esse incompatível. Integram, efetivamente, tais óbices o estatuto do representante/governante. Assim, em se tratando de deputados ou senadores, tais vedações, conhecidas como incompatibilidades, se inserem no denominado “Estatuto do parlamentar” e, diante de mandatos ou cargos do Executivo, há, de sua parte, um estatuto de regência a preordenar a conduta e a atuação dos que são investidos nesses mandatos de elevada relevância no panorama político.

Oportuno lembrar, ainda, que, nesse território, a partir de uma análise comparada entre o tratamento outorgado à matéria pelos diferentes ordenamentos jurídicos, exsurgem três diferentes categorias de incompatibilidades: a) impedimentos de acúmulo com outro posto público eletivo ou não; b) vedações quanto ao exercício simultâneo de cargo do Legislativo com outro do Executivo; c) óbices quanto ao exercício cumulativo de mandato eletivo com determinadas atividades da esfera privada.

Impende, a este passo, pois, abordar a solução doméstica, oferecida sob a égide da Constituição de 1988, à hipótese sub examine, ou seja, o quadro de incompatibilidades que, eventualmente, possam alcançar a figura do Vice-Governador.

Do  Vice-Governador.
Autoridade pública que detém um
mandato eletivo

Sob este particular aspecto, cabe registrar, num primeiro momento, que a posição de Vice gera uma mera expectativa de substituir (em caso de licença, férias, doença) ou suceder ao titular. A rigor, anota Manoel Gonçalves Ferreira Filho, até a escolha do Vice depende exclusivamente da eleição – quer do Presidente da República, quer do Governador, quer do Prefeito – candidato na chapa de que aquele participou .

Em verdade, não há que se falar em cargo de Vice. A idéia de cargo, explicita Maria Sylvia Zanella di Pietro, conforma uma unidade de atribuições , previamente definidas em lei, mantendo um vínculo estatutário com o Poder Público. E, na hipótese em exame, o que se revela é uma mera postura de espera para assumir o cargo político – chefe do Executivo – nas hipóteses constitucionais.

É certo que a Constituição de 1988 preconizou a possibilidade de a figura do Vice-Presidente vir a ser contemplada com funções, quer por força de lei complementar, quer por delegação do Presidente, em lhe confiando missões especiais (Art. 79, Parágrafo único). E esta é a linha seguida, também, pela Constituição do Estado de São Paulo que, no seu art. 38, parágrafo único, dispõe: “O Vice-Governador, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei complementar, auxiliará o Governador, sempre que por ele convocado para missões especiais.”  Todavia à função não corresponde um cargo; no magistério de Zanella Di Pietro, a função assume “um conceito residual… – conjunto de atribuições às quais não corresponde um cargo ou emprego.”.

Pois bem, embora não ocupe cargo, na acepção técnica da palavra, há consenso na literatura jurídica quanto a atribuir à posição de Vice a natureza de mandato político-representativo. Categórica, nessa esteira, a observação lançada por José Afonso da Silva no sentido de que, conquanto não exerça cargo, seria absurdo “concluir que não exerce mandato”.   Com efeito, o Vice foi eleito a partir de uma candidatura registrada e apresentada ao corpo eleitoral por “chapa”, composta pelos postulantes a Governador e a Vice-Governador. Este, portanto, é detentor de um mandato eletivo e, conseqüentemente, assume a postura de autoridade pública, “devendo gozar da proteção jurídica geral que se dá às autoridades” .

Aliás, pacífica, hoje, a natureza jurídica atribuída à figura do Vice, como detentor de mandato político – representativo. Decorre, inclusive, da nova redação acolhida pela Constituição de 1988, para vedar o exercício cumulativo de cargos ou mandatos eletivos (art. 54, II, “d”).  Sob a égide da Constituição anterior o impedimento alcançava apenas cargos eletivos, tornando viável, por exemplo, que o Vice-Governador de um Estado (detentor de mandato eletivo) pudesse exercer, concomitantemente, o cargo de Deputado ou de Senador.

Dessas ponderações resulta, outrossim, evidente o fato de que o “estatuto” do Vice – Vice-Presidente, Vice-Governador, Vice-Prefeito – é diferente e diferenciado do cometido ao titular, Chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Daí, inclusive, o registro de que nem todas as incompatibilidades prescritas para a figura do Chefe do Executivo atingem o Vice. Como este não goza das vantagens do cargo não poderá vir, de certo, a suportar os gravames correlatos.

O mandato de
Vice-Governador
à luz do
Quadro de Incompatibilidades

O exame deste tópico demanda, a nosso ver, uma investida, ainda que perfunctória, na lista de impedimentos a atingir a figura do Governador e, de outra parte, em se tratando de uma federação, convém advertir que o elenco de incompatibilidades a atingir a figura do Chefe do Executivo de um  Estado-membro e de seu Vice deverá
ser investigada não somente no âmbito da textura do Estatuto Fundamental do pais, mas, também, à luz dos dispositivos insculpidos na Constituição adotada a nível estadual.

Pois bem, do exame desse quadro vedativo emergem, integrando, explicitamente, o “estatuto” do Governador de Estado, os impedimentos de titularizar, cumulativamente, com o exercício da governança: a) “outro cargo ou função na administração pública direta ou indireta,…” (art. 28, § 1o c/c art. 38 – C.F. e art. 42 da Constituição do Estado de São Paulo) e b) mandato parlamentar (art. 54, II, “d” – C.F. e art. 15, II, “d” da Constituição do Estado de São Paulo). Não há outras incompatibilidades expressas e, daí porque, num primeiro momento, poderia o analista entender estreito e insuficiente o elenco de proibições quanto ao acúmulo deste posto altamente exponencial com outras funções, suavizando, destarte, o mecanismo garantidor da independência do Chefe do Executivo.  Ocorre que, em razão da inserção a nível constitucional dos princípios a nortear a atividade da Administração pública, previstos no art. 37 da nossa Lei Maior de 1988, os standards da impessoalidade e da moralidade impõem, de imediato, a aplicação das demais fontes de incompatibilidades traçadas para os parlamentares, também, aos chefes do Executivo, enriquecendo, pois, a lista de proibições do estatuto do Governador.

Desse molde, às duas causas a gerar incompatibilidade com o exercício do cargo de governador, devem se alinhar, ainda, a impossibilidade de: “A) a partir da diplomação: 1) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; 2) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades constantes da alínea anterior; B) desde a posse: 1)ser proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor decorrente de contrato ou pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; 2) ocupar cargo ou função de que seja demissível ad nutum, nas entidades referidas no inciso I, “a” (pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público); 3) patrocinar causa em que seja interessada pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público” (art. 54 da C.F.  e  art. 15 da Constituição do Estado de São Paulo).

A situação acima identificada não se acomoda, entretanto, à figura do Vice. Isto decorre do fato de, como acima já anotado, esta posição encerrar mera expectativa; o Vice, de fato, não é titular de um cargo executivo e, assim, este personagem, no setor dos impedimentos (incompatibilidades) é alcançado, tão somente, pela restrição de perfil político, atinente ao exercício simultâneo de dois mandatos eletivos.  Esta específica proibição, aliás, nem haveria por estar sendo catalogada a proibição, de forma expressa, no documento constitucional. Nesta esteira, o Vice – o Vice-Governador, in casu – detentor de mandato eletivo, no momento em que assumisse outro mandato (Presidente, deputado, senador, vereador, prefeito, etc) perderia, de imediato, o anterior, em razão de disposição proibitiva expressa (art. 54,II, “d” e art. 29, IX – C.F.;  Art. 15,II, “d” – Constituição do Estado de São Paulo).

Mas, cabe reiterar, a esse passo, inviável se oferece a hipótese de vir a se estender o imperium de incidência do quadro de impedimentos do Governador para alcançar a posição do seu Vice. A este não foram atribuídas as vantagens e, portanto, não deve suportar os ônus do cargo de Governador. É certo, porém, que, no exato momento em que o Vice assumir a governança, o respectivo estatuto, com as limitações que o integram, se lhe aplicará por inteiro.
Destarte, ao assumir o cargo de Governador, deve o Vice-Governador amoldar-se às regras subjacentes ao figurino da governança, impondo-se-lhe a desincompatibilização se, porventura, incidir numa das hipóteses preconizadas pelo regime das incompatibilidades, acima arroladas.

Conclusões

1.-  O Vice-Governador de Estado detém mandato eletivo, sendo, pois, considerado autoridade pública,  gozando das garantias que às autoridades, em geral, são atribuídas. Não é contemplado, porém, com cargo, permanecendo numa postura de expectativa  para assumir o cargo executivo nos impedimentos do Governador ou em eventual hipótese de vacância.

2.- Poder-se-ia, talvez, recordar o exuberante dispositivo que autoriza à lei complementar cometer tarefas aos vices. Trata-se do parágrafo único, do Art. 79, da Constituição Federal e parágrafo único, do Art. 38, da Constituição do Estado de São Paulo. Transcorrido um quarto de século da promulgação da Constituição cidadã, de 1988, e 24 anos da edição da Carta estadual, não há a mais leve notícia da pretensão de vir a se tornar realidade um dispositivo a contemplar o vice com atribuições. Permanece em status de expectativa.

3.-  A nomeação do Vice-Governador do Estado de São Paulo para assumir uma pasta ministerial na esfera federal, todavia, se apresenta indicativa da pasteurização do quadro partidário. Este assume, cada vez com mais vigor, um padrão monocolor. E, carentes de precisas bases ideológicas e filosóficas, dotados de estatutos e propostas governamentais absolutamente simétricas, os partidos brasileiros – por mais amplo e pulverizado que o sistema se apresente – deixam de oferecer ao eleitor o leque de opções necessário e recomendável às práticas democráticas.

4.-  Por mais uma vez o cidadão-eleitor é conduzido a produzir sua manifestação política em favor de indivíduos e não de partidos. Estes passam a operar tão somente como tanques, máquinas destinadas a operacionalizar a eleição de seus candidatos.

Notas

1 Caggiano, Monica Herman, Sistemas Eleitorais X Representação Política, Brasília, Senado Federal, 1985, p. 60.

2 Parlements, Paris, PUF, 1966, p. 48.

3 Derecho Parlamentario, México, Fondo de Cultura Ecoómica, 1994, p. 260.

4 Id., p. 260 – tradução nossa.

5 Nesse sentido a lição elementar constante do Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 225.

6 Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2000, p. 420. A definição de cargo como “unidade de poderes e deveres estatais” é retirada da obra de Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, dezembro de 1999, p. 225, onde frisa: “cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei, …”.

7 Constituição do Estado de São Paulo, de 5 de outubro de 1989, Ed. Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

8 Op. cit. supra, p. 421.

9 Id., p. 537. Ver nesse sentido, ainda, Hely Lopes Meirelles, op. cit. sup., p. 688.

10 José Afonso da Silva, O Prefeito e o Município, São Paulo, Cepam, Fundação Prefeito Faria Lima, 1977, p 42.

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