Todos imaginam os políticos muito sagazes. Especialmente espertos. Pode até ser. No entanto, observando melhor as concepções elaboradas pelos próprios políticos, para se safarem do pior, se chega à conclusão diferente.
No Direito Constitucional pátrio, é tradicional conferir aos parlamentares e políticos dos altos escalões foro privilegiado. Ou seja, eles só podem ser julgados por um tribunal especialíssimo: o Supremo Tribunal Federal.
Não se submetem os políticos aos tribunais inferiores. Não se sentem confortáveis perante um juiz singular de primeira instância. Seria uma diminuição para a elevada posição social de um político.
O tema foi debatido e sempre prosperou com esta visão elitista. Político deve se submeter a tribunais e, sendo federal, ao Supremo, a mais alta Corte do Poder Judiciário.
Os políticos podem ser sagazes e especialmente espertos. Desconhecem, porém, a História do ocidente e, de maneira particular, da Península Ibérica.
Se conhecessem não cairiam na esparrela de se submeterem ao julgamento direto e único das Cortes de Justiça. Para isto ocorrer, no passado havia motivo muito especial.
As universidades espanholas, durante muitos anos, elaboraram individualmente inúmeros estudos sobre a Inquisição no espaço ibérico. Estes são extremamente enriquecedores.
Trazem visões muitos peculiares dos costumes que evoluíram a partir do Século XIII, quando em razão dos movimentos heréticos (cátaros, valdenses, albigenses, entre outros), a Inquisição passou a ser de competência direta de Roma.
Deixavam, assim, os assuntos correspondentes à fé de ser objeto da análise dos bispos locais e, pois, com direito a recurso às esferas superiores. Dois motivos levaram a esta nova situação.
O primeiro – muito humano: os bispos conheciam os integrantes de suas dioceses e agiam, costumeiramente, de maneira mais branda. O segundo motivo, conseqüência do primeiro, era a necessidade de se agir com maior vigor contra os heréticos.
O herético – vale recordar – era o batizado que agia contrariamente ao catolicismo e, por isto, devia ser apenado. Ou seja, aquele que demonstrava, em linguagem de hoje, infidelidade partidária.
Ora, para evitar a benevolência dos bispos locais, como se viu, foi indicado pelo Papa um Inquisidor Geral. Este possuía jurisdição eclesiástica e comum.
Mais ainda. Suas decisões eram irrecorríveis. Aproximem-se estes elementos da atual posição do Supremo Tribunal Federal e se recolherá, sem maior esforço, um dado exemplar.
A Corte Suprema, por mais estranhos que tenham sido os caminhos percorridos até a sua criação, é produto direto do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, em sua versão ibérica.
Uma só instância e apenas alguns diferenciados são julgados criminalmente pelo Supremo, tal qual ocorria junto ao Inquisidor Geral. As decisões deste não eram passíveis de recurso.
Vejam só – políticos experientes – caíram neste erro. Desejaram uma jurisdição privilegiada. Caíram na armadilha. Condenados não podem recorrer. Passaram a serem réus em julgamento único.
Nos tempos da Inquisição – quando a prova era frágil – o réu poderia ser submetido à prova da tormenta. Nome elegante para a amarga tortura. Os réus submetidos, em instância única, ao plenário do Supremo Tribunal Federal sofrem, hoje, a tormenta psicológica da exposição pública.
Sem direito a recurso.