Revista CEPES
República Oriental do Uruguay


“ …un país governado por locos”*

Dramáticas as lutas desenroladas no território oriental do rio Uruguai, desde o passado. O espaço, nos primeiros anos do Século XIX, integrava a Liga Federal, composta pelas atuais provincias argentinas de Corrientes, Entre Rios, Missiones, Santa Fe e Córdoba. O grande líder dos orientais, nesta época, José Artigas.

Homem talentoso e intrépido, segundo o historiador João Armitage.

Artigas, vencido pelos portugueses, retirou-se para o Paraguai, onde foi aprisionado por Francia.

Artigas, o herói uruguaio, conhecido como Protetor dos Povos Livres, é autor das famosas

Instruções do Ano Treze,

consideradas como esboço de documento constitucional.

Artigas pode ser considerado, ainda, o autor de documento germinal, em temas sociais, da América:

O célebre

Regulamento para distribuição de terras,

expedido em 1815.

O princípio norteador desta norma:

Los mais infelices sean más privilegiados.

E, a partir deste pensamento, previa a distribuição de terras

a los negros libres, los zambos de igual classe, los índios y los criollos pobres … igualmente agraciadas las viudas pobres si tuvieren hijos y seran igualmente preferidos los casados a los americanos solteiros y a cualquier extrangero”

No constitucionalismo uruguaio, este conjunto normativo é denominado:

Preconstitución uruguaya.

Somente em 1825, pequeno corpo expedicionário, comandado por Juan Antonio Lavalleja, composto por

Trinta e Três Orientales,

desembarca na margem oposta do Rio Uruguai. Instala governo em Florida.

No dia 25 de agosto de 1825, decidem pela incorporação do Uruguai às Províncias Unidas do Rio da Prata (hoje Argentina).

Há conflito entre argentinos e brasileiros sobre a titularidade das terras uruguaias. Lorde Ponsonby, enviado de Londres, propõe solução para a paz no Prata:

A total independência da província, então vinculada à Argentina. Afirmam historiadores que os orientais declaravam, na época:

No eran ni seriam jamais argentinos ni brasileños

Com este clima social favorável, mais o incentivo inglês, em 27 de agosto de 1828, lavrou-se a

Convenção Preliminar de Paz.

A convenção ratificada por Brasil e Argentina. No dia 22 de novembro do mesmo ano de 1828, instalou-se a

Assembleia Legislativa e Constituinte e dela originou-se a primeira

Constituição da República Oriental do Uruguai, jurada e promulgada em 18 de julho de 1830, Nascia a república.

Os elementos básicos deste documento:

  • regime presidencialista
  • Legislativo formado por Câmara dos Deputados e Senado
  • Alta Corte de Justiça
  • garantia dos direitos e liberdades individuais
  • religião católica oficial, liberdade para os demais cultos
  • regime administrativo centralizado
  • presidente da República eleito por voto indireto
  • suspensão da cidadania aos peões, diaristas e analfabetos
  • proibição aos militares de participarem do Legislativo
  • a necessidade de aprovação de reforma constitucional por três legislaturas sucessivas.

Esta Constituição conheceu atos sugestivos para a doutrina constitucional, a saber:

  • o texto constitucional foi lido e jurado, em todas as paróquias, em plebiscito sui generis;
  • a Constituição, antes de sua vigência plena, submetida à referenda dos governos do Brasil e Argentina.

Ambos os países aprovaram o texto constitucional oriental. O Brasil objetou a relação entre o Estado e a Igreja.

Segundo os brasileiros, as “concepções mais modernas” indicavam a necessidade da separação das duas instituição.

Apesar da obtenção da soberania e a promulgação da Constituição, as lutas políticas internas permaneceram no território oriental.

Duas facções se digladiaram por longo tempo e, como partidos políticos democráticos, permanecem até os dias contemporâneos, na vida cívica uruguaia.

Trata-se dos

colorados e dos brancos,

estes últimos, hoje, no bojo do Partido Nacional.

Em suas origens, colorados e brancos refletem o caudilhismo próprio do sul do continente.

O ambiente político e social, durante o século XIX, apresenta-se repleto de golpes de Estado, guerras civis e atentados.

Estes acontecimentos levaram à busca de novo documento constitucional. Surge, em consequência, a

Constituição de 1918.

Esta carta contém novidade para as instituições públicas uruguaias. Desde 1913,

José Batlle y Ordóñez

lutou pela implantação de um sistema

colegiado de governo

em substituição ao presidencialismo então vigente.

O Colegiado, após muitas lutas, foi implantado no documento de 1918. Batlle o chamava de

Junta de Governo da República.

A composição: nove membros eleitos por voto direto.

O prazo do mandato da Junta: nove anos, renovável um membro todos os anos. Só o mais votado permaneceria por nove anos.

Além da Junta, haveria inclusive ministros.

Esta visão “colegialista” durou por muito tempo na política uruguaia.

A Constituição de 1918 trouxe ainda outras inovações:

  • separação do Estado e Igreja
  • sufrágio universal e secreto para maiores de 18 anos
  • a faculdade da lei outorgar voto à mulher
  • haveria, além do colegiado, um presidente da República (sic)
  • criou a inscrição no Registro Cívico
  • coparticipação no Poder dos dois grandes partidos(colorados e brancos). As crises continuaram a se

Agora, o grande tema consistia no Governo Colegiado e as crises econômicas. Assume o presidente Gabriel Terra.

Aplicou um golpe de Estado. Dissolveu o Parlamento.

Editou decreto-lei anunciando a reforma da Constituição. Publica Medidas de Pronta Segurança.

Busca nova ordem constitucional. Elabora a

Constituição de 1934,

com suporte nos princípios da eficiência e disciplina. As novidades da Carta outorgada:

  • retorna o presidencialismo
  • Senado passa a 15 membros da maioria e 15 membros da minoria (sic). (o Senado meio a meio, como passou a ser chamado ironicamente).
  • cria o Tribunal do Contencioso Administrativo
  • implanta o Tribunal de Contas
  • eleva a nível constitucional a Corte Eleitoral
  • reconhece o voto para as mulheres Interessante,

o texto constitucional, de acordo com a tradição uruguaia, mesmo em governo ditatorial, é submetido à plebiscito.

A nova Constituição merece aprovação em 19 de março de 1934. Em 1938, realizam-se eleições presidenciais.

Eleito Alfredo Baldomir. Dá um golpe de Estado.

Conhecido como o Golpe Bueno, pois ocorreu sem violências ou prisões.

Um Conselho de Estado prepara novo documento constitucional. Edita-se a

Constituição de 1942.

O documento apresenta os seguintes elementos:

  • elimina o Senado “meio a meio”.
  • os parlamentares passam a ser eleitos por voto proporcional
  • a Câmara dos Representantes a contar com 99 deputados
  • os governos departamentais, também, escolhidos por voto proporcional. Em 27 de novembro de 1942, a Constituição de 1942 é aprovada em

Em 1951, elege-se presidente Andrés Martinez Trueba, um militante da causa de Batlle, isto é, o sistema colegiado de governo.

Redige-se novo esboço de Constituição.

Este é aprovado pelas Câmaras Legislativas e se torna Lei Constitucional. Promulga-se, após plebiscito, por escassa maioria de votos, a Constituição de 1952.

Seus elementos fundamentais:

  • retorno ao governo colegiado
  • eliminada a figura de presidente da República, substituindo-a pelo Conselho Nacional de Governo
  • colegiado integrado por 9 membros, eleitos diretamente pelo corpo eleitoral, com mandato por 4 anos
  • o presidente do Colegiado com caráter meramente representativo
  • criação, além do Colegiado, de um ministério
  • nos entes autônomos adotou-se a fórmula “3 por 2”, ou seja, 3 cargos para a maioria e 2 cargos para a minoria
  • os governos locais também adotaram o governo As crises mantiveram-se com perseverante continuidade.

A fragmentação partidária acelera-se.

Surgem os tupamaros, com o rompimento do Partido Comunista.

Concebem o embrião da futura Frente Ampla, de natureza social democrática. Fundam o Movimento Cívico Cristão.

Neste ambiente de múltiplas divisões fala-se em reformar à Constituição. Deu-se a promulgação de novo documento constitucional, a Constituição da República Oriental do Uruguay de 1967, atualmente vigente.

Na vigência desta Constituição deu-se o golpe de Estado de 1973. Levou o país a regime de exceção.

Os militares tomaram o poder.

  • Mantiveram na presidência da República Juan Maria
  • Fecharam a Assembleia Geral (Parlamento).
  • Juízes
  • Criaram Ministério da Justiça para vigiar os magistrados
  • Justiça militar ampliou sua competência
  • Intervenção na Corte Eleitoral e no Tribunal de Contas
  • Substituição da autoridades departamentais por “intendentes interventores”
  • Violadas as normas sobre direitos humanos
  • Agiram contra a separação de poderes

(Hoje um mito negativo resultante de dogma. O Executivo recobra a sua primazia natural, como órgão com competência soberana, dizia o Decreto Constitucional n. 8, de 1977)**

  • Em síntese, violadas tanto a parte orgânica como a dogmática da Constituição. Elaboram uma nova Constituição os

Não conseguiram romper a tradição uruguaia. Submeteram o documento a plebiscito.

Foram derrotados.

Em 1984, começa ciclo de negociações entre os militares e os partidos políticos. Das negociações atingiu-se o

Pacto do Clube Naval

e o retorno à democracia.

Surgiu, na oportunidade, questão jurídica:

Os atos praticados pelo governo de fato e a juridicidade destes.

Como o sistema uruguaio de declaração de inconstitucionalidade é concentrado, delegou-se à Corte Suprema à decisão a cada caso submetido a sua apreciação.

Doutrinadores orientais não aceitaram a tese.

Defenderam a convalidação individual dos atos da ditadura.

A Constituição 1967 declara a vigência de todas as leis anteriores que “diretamente ou indiretamente não se oponham a esta Constituição.”

O tema atingiu um precário consenso.

Com o Pacto do Clube Naval, convocou-se plebiscito, realizado em 8 de dezembro de 1996.

Objetivou a reforma da Constituição. Decidiram por:

  • reforma do sistema eleitoral: maioria simples para eleição do presidente da República e absoluta no segundo turno
  • candidato presidencial único por partido
  • máximo de dois candidatos a intendente por partido
  • eliminação de sublegendas para deputados
  • eleições específicas para cada cargo
  • eleições internas obrigatórias nos Em 2004, nova reforma constitucional.

Agora a emenda visou a riqueza aquífera.

Nova redação para o artigo 47 da Constituição de 1967. Sua redação:

A água é um recurso natural essencial à vida. O acesso à água é direito humano fundamental.

Afirma constitucionalista uruguaio, temas legais contam com insólita atração no Uruguai.

Tem razão o doutrinador.

Isto posto, vamos a rápida análise do conteúdo da Constituição da República Oriental do Uruguay, Vigente com as alterações indicadas.

Trata-se de documento analítico que mantém disposições oriundas das cinco anteriores constituições.

Os artigos são longos e, muitas vezes, ingressam em processualística interna de órgãos tratados.

Recente artigo, no jornal El Pais de Montevideo, considerou a atual Constituição como gorda e deformada.

Assim é, se a eles parece. O documento prevê:

  • sistema presidencialista de governo
  • a soberania radicalmente da nação
  • todos os cultos são livres
  • os tratados internacionais devem prever arbitragem
  • direitos humanos expressamente garantidos (a honra, entre eles)
  • os mayorazgos proibidos
  • o domicilio, lugar sagrado
  • fixa a responsabilidade civil do Estado
  • proíbe a pena de morte
  • admite o direito de petição
  • protege a propriedade intelectual
  • permite o livre ingresso de pessoas no território
  • admite a imigração
  • imigrante não pode contar com defeitos físicos, mentais ou morais
  • a família é a base da sociedade
  • filhos fora do casamento iguais ao nascidos de matrimonio
  • Estado combate os vícios sociais
  • proíbe a usura
  • ninguém será preso por dívida
  • greve como direito sindical
  • direito de defesa declarado
  • liberdade de ensino
  • exonera as instituições privadas de ensino de tributos
  • declara a não exclusão de direitos, deveres e garantias não previsto na Constituição, inerentes a personalidade humana e derivados da forma republicana de governo
  • cidadania dividida em natural e legal, esta correspondente aos naturalizados
  • legais (isto é, naturalizados) só podem exercer cargo público após três anos da carta de cidadania
  • todo cidadão considerado membro da soberania nacional
  • voto secreto e obrigatório
  • representação proporcional integral
  • proíbe o presidente da República e os membros da Corte Eleitoral de participar de direção de partidos políticos
  • vedada a participação do presidente da República em propaganda eleitoral
  • lista para todas as candidaturas
  • exercício obrigatório de democracia interna pelos partidos
  • primárias para a escolha de candidatos
  • o cidadão naturalizado para ser eleitor deve possuir capital ou propriedade e residir por 15 anos no país
  • idade mínima para ser eleitor de 18 anos
  • perde a cidadania quem exerce atividade moralmente desonrosa
  • a soberania é exercida pelo corpo eleitoral
  • Congresso denominado Assembleia Geral
  • Assembleia Geral composta por Senado e Câmara dos representantes
  • Câmara: 99 membros, mandato de 5 anos e idade mínima de 25 anos
  • Juízo político começa na Câmara
  • Senado: 33 membros, mandato de 5 anos e idade mínima de 30 anos
  • permitida a participação cumulativa em pleito à Câmara e Senado, o eleito precisa optar
  • Senado julga os acusados pela Câmara
  • Imunidade parlamentar garantida
  • vedado aos parlamentares assumir cargos no Executivo
  • Consagra a responsabilidade política dos ministros de Estado
  • Pode ocorrer a desaprovação do presidente da República e dos ministros
  • Executivo composto pelo presidente da República e um Conselho de Ministros
  • Reeleição do presidente e vice só após quarentena de 5 anos
  • Compromisso de posse do presidente e vice exige a obrigação de exercer lealmente o cargo e guardar a Constituição
  • Conselho de Ministros pode ser convocado pelo presidente da República sempre que conveniente
  • Não pode o presidente da República se afastar por mais de 48 horas do território nacional, sem permissão das Casas legislativas
  • Cada Departamento contará com um Chefe de Polícia
  • Cria o Banco de Previdência Social
  • Concede autonomia ao Banco Central
  • Goza a Universidade da República de autonomia universitária
  • Cria o Conselho de Economia Nacional, como órgão consultivo
  • Estabelece uma Oficina de Planejamento e Impostos
  • Judiciário composto pela Suprema Corte de Justiça, tribunais e juízes
  • Suprema Corte com funções de órgão corregedor e nomear magistrados
  • 5 membros compõe a Suprema Corte
  • Requisitos para ser membro da Suprema Corte: 40 anos, cidadania natural ou legal por 10 anos, ser advogado por dez anos, juiz e membro do Ministério Público por 8 anos
  • os membros da Suprema Corte permanecem nos cargos por 10 anos
  • Há Juízes de Paz, nomeados pela Suprema Corte
  • Limite de idade para permanecer nos cargos do Judiciário: 70 anos
  • Inconstitucionalidade declarada por forma e conteúdo
  • Inconstitucionalidade arguida por defesa ou por ação perante a Suprema Corte
  • Decisão da Suprema Corte refere-se exclusivamente ao caso concreto
  • Estado unitário composto por departamentos
  • Intendentes (governadores dos departamentos) eleitos por 5 anos, podendo ser eleitos por única vez
  • Referendum como recurso aos decretos das Juntas Departamentais (assembleias locais)
  • Tribunal do Contencioso Administrativo regulado
  • Competência do Tribunal do Contencioso: atos definitivos da Administração
  • Decisões do Contencioso não fazem jurisprudência
  • Contará o Contencioso com um Procurador do Estado
  • Prevê Corte Eleitoral com competência sobre todos os atos e procedimentos eleitorais
  • Há um Registro Cívico Nacional
  • Reforma constitucional por iniciativa da cidadania

 

 

Observações:

A Constituição de 1967 mostra-se complexa e prolixa.

Apresenta-se como reflexo da tumultuada e criativa vida política do Uruguay. Há situações curiosas na coletividade oriental.

A honra é elemento essencial na vida política do País.

Para preservá-la, os uruguaios mantiveram a prática de duelos – para morte dos adversários – até 1992, apesar de proibição legal a partir de 1920.

Esta lei é considerada a única em todo o Ocidente.

Em 1999, voltaram a expor opiniões em defesa da avoenga prática de lavar a honra com sangue.

Figuras como Sanguinetti e Lacalle, ex presidentes da República, há pouco anos voltaram a defender o ato de duelar com armas.

O duelo é prática da chamadas “lides cavallerescas”.

Registra a alma profunda do povo uruguaio, pois entre os despossuídos ocorre o “duelo criollo” para lavar a honra.

Estes fatos, além dos vai-e-vem da política oriental, levaram a jornalista inglesa, Rosita Forbes, no começo dos anos trinta, afirmar exageradamente:

“El Uruguay es un país gobernado por locos”

Certamente, sem razão.

 

Referências:

Freitas, Ruben Correa – Constitución de la República Oriental del Uruguay de 1967 – Anotada e Comentada – 4º edição – Fundacion de Cultura Universitária – Montevideo – 2017.

Caetano, Gerardo – La Repíblica Batllista – Ediciones de la Banda Oriental – 5º edição

– Montivideo – 2015.

Korzeniak, José – Primeiro Curso de Derecho Público – Derecho Constitucional – Fundacion de Cultura Universitária – 4º edição – Montevideo– 2008.

Nahum, Benjamin – Breve Historia del Uruguay Independente – Ediciones Banda Oriental – 3º edição Montevideo – 2008.

Armitage, João – História do Brasil – Martins Editora – São Paulo – 1972.

*Rosita Forbes in LaRepública Batllista acima

** Segundo Korzeniak, acima citado, o autor do fim da separação de poderes, durante a ditadura, se deve a Aparício Méndez, professor de Direito Administrativo da Universidade da República e presidente nomeado pelos militares em 1977.