Revista CEPES
Apontamentos Paraguaios


Tierra de promisíon, o tierra de profecia*

O estudo do Direito Constitucional latino-americano oferece situações de contornos inusitados.
Posicionamentos surpreendentes.
É o caso da evolução do Direito paraguaio.
O Paraguai concebeu a primeira república da Bacia do Prata.
Foi proclamada concomitantemente com a declaração da independência do país. Ano de 1811.
A sua primeira Constituição – 1813 – configura-se como documento retratista.
Define-se o conceito:
Trata-se de constituição que se limita a registrar uma realidade. Não pretende corrigi-la ou aperfeiçoá-la.
Limita-se a apontar os mecanismos do Poder e seus atributos. A este documento deram a singela denominação de Regulamento de Governo.
Este aponta:
a. A forma de governo, no caso consular.
b. A denominação República do Paraguai.
c. O uso da divisa consular.
d. Denominação de cônsules a quem exercesse a titularidade.
e. Lugar das audiências ou despacho dos cônsules.
f. Direito e sufrágio em eleições livres.
g. O colégio eleitoral.
h. Matérias de organização militar.
i. Administração geral do governo.
j. Funções judiciárias.
k. Faculdade de convocar o congresso, no caso de acefalia.
l. Poder Legislativo representado pelo Congresso Geral, com reuniões anuais.
m. Criação de Tribunal Superior de Recursos. Nenhuma referência a direitos e deveres dos cidadãos.

Nem sequer aponta os limites de atuação dos cônsules.
Registradas estas observações, importante recordar as dificuldades existentes, na época, na região sul do Continente.
Conflitos armados por toda a parte. Caudilhos em busca de mando.
Ambição dos argentinos em subjugar o Paraguai. Lutas fratricidas em toda a região.
Os constituintes de 1813 enfrentavam estas variáveis. Doutrinariamente, basearam-se em Jean Jacques Rousseau.
Tomaram a obra deste autor – O Contrato Social – e se debruçaram sobre o capítulo ditadura.
Recordaram, neste passo, inclusive lição dos romanos sobre o tema.
Esta posição doutrinaria, após inúmeras situações de confronto, levou a José Rodríguez de Francia à posição de Ditador Supremo e Perpétuo da República do Paraguai.
O Doutor Francia, como é conhecido pelos seus compatriotas, governou seu país por vinte e cincos anos (1815-1840).
Isolou o Paraguai.
Cerceou qualquer comércio com o exterior. Censurou a imprensa.
Afirmou, em determinada oportunidade:
“em homenagem a liberdade nacional sacrifico todas as liberdades individuais.”
Só permitiu a liberdade religiosa. Rompeu com Roma.
Proclamou-se Chefe da Igreja. Afirmava:
“A liberdade, nem coisa alguma pode subsistir sem ordem, regras, sem unidade e sem acordo.”
O autoritarismo do Doutor Francia encontra-se descrito e retratado, com traços subjetivos, por Augusto Roa Bastos.
O livro, inserido na literatura latino-americana em posição de cume, é
Yo El Supremo.
Notável obra.
Escrita na primeira pessoa do singular, reconstrói o dia-a-dia do Ditador. O ato derradeiro é a vontade final do ditador.

Um horror. Merece leitura. Tristemente a obra registra:
EL Supremo Dictador no tiene viejos amigos. Solo tiene nuevos enemigos.
Triste sina dos ditadores. De ontem e de sempre.
Hoje, a atual Constituição paraguaia, solenemente declara:
La ditadura está fuera de la ley**

Referências:
Manuel Dejeseus Ramirez Candia – Derecho Constitucional Paraguayo – Tomo I – 5å edição – Editora Litocolor S.R.L – 2016 – Assunção.
Jean Jacques Rousseau – O Contrato Social – Edipro de Bolso – Bauru.
Mary Monte de Lopez Moreira – HistoriadelParaguay – Servi Libro – 2017 – 11å edição – Assunção.
Augusto Roa Bastos – YO El Supremo – Real Academia Española – 2017 – Barcelona.
Rol de Constituições paraguaias:
Regulamento de Governo de 1813 Constituição de 1844
Constituição de 1870 Carta política de 1940 Constituição de 1967
Constituição de 1992
*Roa Bastos

**Dispositivo final do artigo 3º da Constituição da República do Paraguai.