VEM TEMPESTADE


As Copas do Mundo deixam fortes recordações. As grandes vitórias e a conquista de cinco canecos geram euforia e um salutar ufanismo. Vale a pena ser brasileiro. Pentacampeão.

 

Há, concomitantemente, momentos de profunda angústia e depressão. Foi, em 1950, um deles. Todos esperavam a grande vitória. Os ouvidos colados aos rádios.

 

Deu Uruguai, na final, depois de uma campanha exitosa dos canarinhos. Excesso de vaidade. A arrogância do já ganhou. A partir do Maracanã, ouviu-se – o silêncio é a ausência de ruído – o maior silêncio da História.

 

Foi uma lição. Muito de otimismo pode dar lugar a grandes frustrações. Os brasileiros se acostumaram a estas situações. A grandeza imaginada, por nossos antepassados, conduziu a um realismo extremo.

 

Já não aceitam a mentira dos políticos. Tornaram-se críticos e mordazes. Acompanham os episódios da esfera pública com sagacidade. Percebem os múltiplos erros. Comentam os poucos acertos.

 

São cidadãos conscientes. Sabem agir com rigor e com sentido cívico. Daí a perplexidade oriunda dos acontecimentos da última quinta-feira no Itaquerão.

 

Tudo se pode esperar no início de uma Copa do Mundo. Erros de arbitragem. Público exaltado. Confusões próprias das grandes massas humanas. Vaias. Apupos.

 

Não, porém, falta de cordialidade e o respeito mínimo à autoridade. Os brasileiros já vaiaram presidentes. Governadores. Políticos em geral.

 

Nunca, contudo, chegaram à linguagem chula. Ao baixo calão. A linguagem dos sem linguagem. Atingiu-se o fundo do poço. A violência de nossas cidades transformou-se em ruidosa agressão verbal da multidão.

 

A velha e gasta figura do brasileiro cordial foi para o espaço. Existiu no passado – quem sabe? – nas relações entre as casas grandes. Os senhores de engenho, quando em paz, acompanhavam os bons modos das cortes européias.

 

Fora da casa grande baixavam o relho. O capitão do mato justiçava o insubordinado. Agredia sem razão o subalterno. Valia a lei do mais forte.

 

Esta lei do mais forte – a massa sente-se capaz de tudo – explodiu no início da Copa do Mundo. Não foi uma mera vaia dirigida às autoridades. Foi o palavrão que fere.

 

Inaceitável. Uma sociedade quando perde os limites do comportamento civilizado retorna a barbárie. Corre o risco de ver pessoas se tornarem o lobo das pessoas.

 

É compreensível o ato de hostilidade verbal contra a autoridade. Jamais o baixo calão que avilta quem o profere. Quinta-feira, 12 de junho de 2014, faz o brasileiro retornar àquele junho de 1950.

 

Sessenta e quatro anos depois daquele junho, ainda em junho, perdeu-se outra Copa, a da civilidade.

 

Lá se perdeu uma mera Copa do Mundo. Agora, perdeu-se a compostura e a respeitabilidade. É perda profundamente grave.

 

Marcará a caminhada futura da sociedade.

 

O silêncio de 1950 não pode recair sobre os acontecimentos de junho de 2014. Eles precisam ser analisados por psicólogos sociais, cientistas políticos e pelas próprias personalidades públicas.

 

Algo de grave se verificou. Os brasileiros – antes ditos cordiais – tornaram agressivos e irascíveis. Coisas piores estão por vir. É só esperar. Só não vê quem não tem olhos de ver.

 

O palavrão de hoje pode se tornar na agressão física de amanhã. Plantaram-se muitos ventos. Colhem-se tempestades.

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