AS ORIGENS DA DEMOCRACIA PARLAMENTAR


 

O pensamento jurídico moderno não soube resistir ao fascínio da filosofia, elaborada pelos moralistas, místicos …profundamente ignorantes do Direito.*

 

Quando se fala em democracia, sempre se busca conhecer suas origens.

Neste passo, inevitavelmente, vem a citação à Grécia clássica e suas instituições políticas.

É provável:

A ágora grega ser a origem remota das formas democráticas de captação da vontade da comunidade.

Não há, contudo, a respeito, vínculo absoluto entre aquele passado remoto e a questão que se coloca:

Qual a origem dos atuais parlamentos?

Muitos autores debruçaram-se sobre o assunto.

Surgem inúmeras opções, ao gosto do público.

Um deles, Quentin Skinner, avança para hipótese extremamente interessante.

Em erudita divagação, a partir do Filmer em seu Patriarcha aponta:

todos os governantes estão sujeitos as censuras e privações de seus súditos”.

Ora, a forma civil de oferecer expressão de censura se dá por meio de assembleias, onde a soberania popular se expressa.

Aqui, uma observação importante.

No Século XVI, quando surgiu os primórdios do  constitucionalismo, os jesuítas se mostraram tão zelosos com a vontade popular quanto os calvinistas.

Parece estranho, mas historicamente confirmado.

Calvinistas e jesuítas foram agentes inconscientes da transformação sócio cultural chamada usualmente de “modernização”.

 Aponta o verbete Reforma do Diccionario Histórico de la Compañia de Jesús.

Ambas as correntes propunham a prevalência da soberania popular face ao absolutismo reinante.

Já muito antes, Jean Gerson ( 1363-1429) defendia a necessidade das comunidades conceberem um governo onde se colocassem a jurisdição eclesiástica e a jurisdição laica.

Gerson ensina:

Qualquer sociedade perfeita deve alojar, em todo o momento, uma assembleia representativa de seus cidadãos.

Esta mesma ideia passa, a partir do Século XVI, a ser defendida, como acima referido, por calvinistas e jesuítas.

Entre os jesuítas, destacam-se as figuras de dois professores de Salamanca, Francisco de Vitória e Francisco Suarez e, no campo reformado, Melanchthon.

Skinner, a partir de longa divagação, atinge  ponto que interessa especificamente ao nosso tema:

De onde surge a ideia de parlamento, instrumento essencial de uma democracia?

O autor referido aponta como nascedouro dos parlamentos, no Ocidente, o conciliarismo.

Ou seja, a prática consistente nos concílios da Igreja católica, através dos tempos.

É paradoxal.

Sabe-se que Roma sempre foi contra:

  • a soberania popular,

  • a tolerância e a liberdade,

  • novos conhecimentos científicos e a crítica histórica.

No entanto, a partir da prática conciliar se recolhem as raízes da democracia parlamentar.

Por meio dos concílios, a soberania era transferida ao soberano.

Os puritanos, no entanto, são mais radicais que os jesuítas.

Defendem que quando o povo transfere a soberania ao rei não se priva desta mesma soberania.

Uma dramática afirmação se recolhe da obra de Skinner, a partir de Mário Salamonio (1514).

Em diálogo entre filosofo, jurista, com a presença de teólogo e historiador, há uma preocupante afirmação:

Os filósofos caminharam para atingir os preâmbulos do constitucionalismo, enquanto os juristas defendiam o absolutismo.

Declara expressamente Salamonio:

todo governante legal deve ser servidor das leis … e que uma lei elaborada por um príncipe pode ser ab- rogada em nome da justiça!

Seria oportuno os legisladores pátrios se debruçarem sobre as obras dos pensadores medievais e quinhentistas.

Absorvessem um pouco dos sábios ensinamentos sobre democracia e parlamento.

Talvez, praticassem menos desatinos.

As lições são válidas também para o nosso Judiciário.

Hoje tão falastrão e nem sempre congruente.

Uma lástima.

 

 

  

 

Referências.

Skinner, Quentin – Los fundamentos del pensamento politico moderno – La Reforma – Fondo de Cultura Económico – Mexico – 1993.

Volpi, Franco – Enciclopedia de Obras de Filosofia – Herder – Barcelona – 2005.

Villey, Michel – La Formazione del pensiero giuridico moderno –Jaca Book – Milão – 1985.

Kung,  Hans – El Cristianismo – Essencia e Historia – Editorial Trotta – Madri – 1997.

O’Neill,S.J. e o. – Diccionario Histórico de La Compañia de Jesus – Biográfico-temático – InstitumHistoricum, S.I – UniversidadPontificiaComillas – Madrid -2001.

* Michel Villey

print