Mulher não Vota em Mulher?


Uma indagação. Uma inquietação que emerge no mês de março, um mês em que se comemora o universo feminino.[1]

O mês de março é especialíssimo para o universo feminino. Isto dentre os inúmeros dias especiais e peculiares a este magnético mundo, onde a mulher, no seu cotidiano, desempenha inúmeras e diversificadas funções. Todas concomitantes, de excelentes resultados e da maior relevância para a sociedade.  Pela manhã acorda dona de casa, mãe; ao longo do dia, hábil profissional; a noite, dona de casa, mãe, conselheira, mulher.

Dedicar à mulher na política maior atenção e a particular análise dos óbices que sua presença em cenário de decisão política enfrenta constituem iniciativas merecedoras de aplauso. Parabenizo, pois, o Ministro José Antônio Dias Toffoli, Presidente deste nobre Tribunal Superior Eleitoral e cumprimento efusivamente a Ministra Luciana Lóssio que tornou a perspectiva de realização deste Encontro no Brasil, uma realidade.

Dia 8 de março – Dia Internacional da Mulher. Todos os dias, no entanto, a mulher deixa sua marca.

Por que não na política?

Pois bem, parece que a condição feminina intimida. E, talvez, funcione como fator de auto-intimidação para as mulheres. Talvez, o longo período de hibernação, o atribulado e moroso trajeto de agruras e angústias até conquistar, no século passado, a posição de cidadã, com direito a voto, tenha contribuído para acentuar esta ausência de interesse da mulher em tomar parte do polo decisional – em assumir verdadeiramente a postura de decision maker.

Muitas podem ser as razões que, eventualmente, provocariam o acanhamento feminino. Fato é que os obstáculos segregacionistas à capacidade política feminina perduraram por séculos. Pioneiro na remodelação deste quadro discriminatório foi o Estado de Wyoming, nos  Estados Unidos da América, que concedeu o direito de voto às mulheres em 1890, oferecendo o exemplo seguido de perto por outros países, como Bélgica em 1919, Inglaterra em 1928, França em 1944. E em Portugal, inobstante a tenaz atuação feminina, por intermédio de movimentos, cartas, participação em Congressos e Encontros Internacionais, a emancipação e o voto da mulher – a mulher cidadã – foram autorizados tão só em 1974.

No Brasil, o percurso, a seu turno, não deixou de ser espinhoso. Em 1923, Diva Nolf Nazario, aluna da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, as famosas Arcadas, publica um “livrinho”, como a própria autora assinala, de forte impacto à época, narrando a incansável batalha na perseguição da conquista dos direitos políticos para a mulher. Desbravadora e corajosa, Diva passa a explorar publicamente a expulsão do sexo feminino do universo eleitoral, buscando sensibilizar a sociedade e fortalecer a luta pela “causa feminina”, oferecendo subsídios para o reconhecimento da atuação da mulher na política, por sua colaboração para o “enobrecimento do lar e da pátria”[1].

Entre nós, tímida e gradativa foi, ainda, a consagração legislativa da inserção da mulher no corpo eleitoral. Em 1932, o Decreto n. 21.076, de 24 de fevereiro, inovou autorizando o direito de voto às funcionárias públicas, situação constitucionalizada em 1934 com a promulgação da nova Constituição. Mas somente com o advento da Carta Fundamental de 1946 consolidou-se o sufrágio universal feminino e a obrigatoriedade de alistamento. Bem, neste momento, a mulher brasileira ingressa no corpo eleitoral. Já é cidadã, em seu primeiro grau. E no cenário da decisão ? A mulher como decision maker?

Em recente trabalho defendi a ideia de que hoje, o eleitor brasileiro incorporou o papel de jogador com veto no mundo democrático. Consciente da sua relevância na produção da decisão política, o eleitor exerce a cidadania por intermédio de todos os instrumentos que o novo constitucionalismo e a sofisticada tecnologia colocou a sua disposição.[2]Há, ainda, uma especial peculiaridade a merecer anotação: o vasto eleitorado feminino. Passados 84 anos do seu ingresso no corpo eleitoral, o contingente feminino acaba por superar o masculino, representando 51,8% do eleitorado brasileiro, enquanto os homens representam 48,1% do total[3].

Surpreendentemente, contudo, não há simetria quanto à participação feminina nos dois polos do sufrágio: o ativo e o passivo. No tocante à postulação de candidatura, reduzida se afigura a interveniência da mulher. Diante da significativa sobrepujança do voto feminino, mínima – quase insignificante – sua participação no curvilíneo percurso da candidatura, a face passiva do sufrágio. Nesse diapasão o registro de que, embora a Lei n. 12.035/2009 tenha ampliado para 30% e tornado obrigatóriaa presença da candidata-mulher nas listas, sua inclusão no polo dos decision makers afigura-se extremamente tênue. Nas eleições gerais de 2010, o quadro apresentava-se bastante restrito: candidatas a Presidência: 02, a Governador: 18, a Senador 34 perante 231 do sexo masculino, a deputado federal e estadual, apenas 4.098. No último pleito, de 2014, o quadro não sofreu alterações acentuadas: 3 candidatas à Presidência, para 9 do sexo masculino; para governador de Estado: 20 candidatas para 156 homens; para deputado federal 2.272 candidatas para 4.867 do outro sexo; para deputado estadual 5349 mulheres para 11.661 candidatos homens; e em Brasília, para deputado distrital: 317 candidatas para 711 candidatos.

Oportuno lembrar que esta postura feminina retraída é notada na vida política brasileira em geral. Nos diretórios partidários, poucas são as mulheres que ganham postos diretivos e nos Parlamentos (federal, estaduais e municipais) a presença feminina, por ora, ainda se apresenta como raridade. Marcante é o resultado eleitoral de 2010 na seleção dos Governadores de Estado, quadro em que apenas 3 mulheres conquistaram o posto executivo. Meramente a título ilustrativo, recorda-se que, nas eleições municipais de 2008, de um total de 5.658 municípios brasileiros, em 41 deles havia a perspectiva de candidaturas exclusivamente femininas para o cargo de prefeito[4]. No Brasil, porém, o número de solicitações de registro de candidatura de mulheres na disputa pela chefia do Poder Executivo é pequeno. Assim, arquivos do pleito municipal de 2008 apresentam 1.580 pedidos de registro de mulheres contra 13.677 de homens. Paradoxalmente, porém, uma mulher se sagrou vencedora na consulta de 2010, conquistando o posto de maior proeminência, o de Presidente da República. E foi reeleita em 2014.

Em verdade, muitos são os desafios presentes no cenário da competição pelo poder e todo este elenco de fatores contribuem de molde a inibir o exercício da cidadania na sua plenitude, principalmente por parte da mulher. Um dos mais expressivos indutores – em sentido negativo – corresponde ao desprezo e depreciação da classe política, em especial em relação ao Legislativo. Pesquisa realizada aponta 40% de avaliação negativa em relação ao Congresso Nacional, registrando que 39% consideram regular a atuação dos parlamentares, que são contemplados com índices de bom e ótimo apenas por 15% dos eleitores. Talvez o receio de adentrar neste temido e hostilizado mundo contribua para a atitude refratária que o universo feminino dedica aos postos eletivos.

Mais recentemente, resultado das eleições municipais de 2012, chama a atenção dos analistas o quadro das Câmaras Municipais de Barueri e Santana de Parnaíba. Dois pequenos, porém ricos municípios, que albergam o empreendimento Alphaville / São Paulo. Contam em conjunto com 36 vagas parlamentares (Barueri 21 e Santana de Parnaíba 15); só, e tão só, uma mulher eleita Vereadora, ocupando assento na Casa Legislativa de Barueri. E o que impacta é o diagnóstico que as cidades apontam: mulher não vota em mulher.

No cenário democrático o equilíbrio entre as forças políticas afigura-se impositivo. Isto porque a democracia repousa solene sobre dois pilares: liberdade e igualdade. Se hoje no Brasil a massa eleitoral feminina supera  – e de modo significativo – o sexo masculino evidente que a mulher está sub-representada.  A ação do Poder e da sociedade, pois, deve se voltar à identificar instrumentos aptos a alcançar este equilíbrio.

Há uma velha e sempre bem vinda doutrina: a paridade de armas. De origem italiana, ela respalda exatamente medidas a amparar e fortalecer a parte mais fraca, no ensejo de assegurar o equilíbrio entre os atores dentro de um determinado cenário. No delicado panorama da representação política parece-nos que está mais do que na hora de praticar esta teoria, procedendo-se a concretas ações afirmativas para garantir a presença da mulher no polo dos decision makers.

Parabenizo, neste sentido, a Sra. Senadora Vanessa Grazziotin pelo esforço, pela obstinada batalha cotidiana, pelo seu desempenho político neste percurso de sensibilizar a sociedade para o diferencial resultante da presença mais equitativa da mulher em plataforma política.

São Paulo, março de 2016.

Monica Herman Caggiano

 

[1] Conferência proferida no VII Encontro Ibero-Americano de Magistradas Eleitorais, no âmbito do Painel presidido pela Ministra do TSE, Dra. Luciana Lóssio, tendo como palestrante, ainda, a Senadora Vanessa Grazziotin, Procuradora Especial da Mulher no Senado Federal. Brasília (DF), em 18.03.2016.

[1] NAZARIO, Diva Nolf, Voto Feminino e Feminismo, São Paulo: Imprensa Oficial, 2009. Edição fac-símile, p. 166.

[2] CAGGIANO, Monica Herman,O cidadão-eleitor, jogador com veto no processo eleitoral democrático. Aspectos polêmicos e peculiares do cenário brasileiro. Eleições gerais/ 2010, in A Contemporaneidade do Pensamento de Victor Nunes Leal, São Paulo, Saraiva, 2013.

[3]UOL Notícias, 20 jul. 2010. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/>.

[4]Eis a íntegra da notícia veiculada, em UOL, 23 jul 2008. Disponível em: <www.uol.com.br>, às 19H24: Em 41 municípios, só mulheres disputam prefeitura. O mais recente levantamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contabiliza 41 municípios no Brasil que podem ter unicamente mulheres concorrendo ao cargo de prefeito nas eleições municipais deste ano.De acordo com o tribunal, o número ainda pode ser alterado com a chegada de novos dados sobre os pedidos de registro de candidaturas na Justiça Eleitoral. Dos 41 municípios em que somente mulheres disputam a prefeitura até agora, dez têm apenas uma candidata. Paraíba é o Estado com o maior número de municípios onde só existem candidatas na disputa do cargo de chefe do Executivo. São sete ao todo. Em seguida vem São Paulo, com cinco municípios nesta situação. Empatados, Piauí, Bahia e Rio Grande do Norte têm quatro cada. E Minas Gerais e Alagoas têm três municípios cada um.

print