O episódio que envolveu, em Nova York, o diretor geral do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn, não mereceu específica reflexão dos analistas. Limitaram-se ao aparente e esqueceram o subjacente.

DSK teria tentado violentar uma camareira do hotel, onde se encontrava hospedado. Tudo normal para este francês acostumado a aventuras eróticas, segundo sua própria biografia. Absolutamente anormal, em pleno Século XXI, quando os direitos das pessoas se encontram proclamados e vigentes por todos os países civilizados.

A integridade física e a dignidade humana são valores invioláveis e passíveis de respeito por todas as pessoas, independente de posição social ou riqueza de que é possuidora.

O acontecimento verificado, nos aposentos de luxo de um hotel nova-iorquino, remete a outras épocas da História, quando se encontrava vigente, como regime de governo, fórmulas absolutistas.

O monarca, antes das revoluções constitucionalistas, tinha poder de vida e de morte sobre seus súditos. Podia tudo, inclusive exercer os seus pseudos direitos divinos na sua plenitude.

A vida e a integridade física dos seus súditos colocavam-se como objetos a serviço da vontade do soberano. Ele podia tudo e inclusive usar do corpo alheio para sua lascívia.

Os tempos mudaram. Cada um é titular pleno de seu corpo e exerce sobre ele a plenitude de suas vontades. Atacar uma pessoa, desejando transformá-la em objeto de prazer, é hoje inconcebível.

A agressão praticada por DSK, além das vertentes apontadas, conduz a outras premissas para a reflexão e busca de consequências. Já não se trata de pessoas, mas sim de instituições.

O FMI, útil no após guerra, quando a inflação se encontrava em processo de expansão e havia uma desarrumação financeira por toda a parte, tornou-se um organismo acima das soberanias nacionais.

Os seus integrantes consideram-se além do bem e do mal. O código de conduta de seus funcionários confere a cada um status superior ao comum dos mortais.

Podem tudo, inclusive praticar atos vedados em qualquer instituição privada, como, por exemplo, o assédio entre companheiros de trabalho, como informa matéria publicada pela imprensa norte-americana e reproduzida por aqui.

O caso DSK indica a soberba dos membros do FMI e a forma com que tratam os demais. Em nome das boas práticas financeiras, exterminam comunidades e ferem pessoas.

Neste momento velhas nações se encontram assoberbadas com as regras e condições impostas pelos mandantes do FMI. Espanha, Grécia e Portugal – apesar dos erros de seus governantes – se acham colocados como réus indefesos.

O tema correspondente ao controle do FMI – e por consequência dos Bancos Centrais – ainda não mereceu estudos aprofundados nas democracias ocidentais. A autonomia exigida para as ações das autoridades monetárias, contudo, necessita a atenção dos estudiosos de ciência política.

Toda autoridade é constantemente vigiada e a transparência é exigida a qualquer personalidade pública, estendendo-se esta exigência inclusive para a vida particular de cada agente.

Os dignitários do FMI e dos Bancos Centrais, contudo, parecem isentos de qualquer obrigação com a cidadania, ainda porque se alheiam à condição de cidadãos.

Apresentam-se como seres extraterrestres que governam as existências de cada pessoa, sem qualquer preocupação ética ou humana. As comunidades são meros laboratórios para a aplicação de seus desígnios superiores.

Ao agredir uma camareira – e graças à polícia de Nova York – a soberba e a idéia de impunidade presente em quase todas as autoridades monetárias ficaram patentes.

A democracia não pode permitir pessoas fora da lei, por mais brilhantes e qualificadas que se apresentem. É necessário examinar – no plano internacional e no nativo – formas de conferir limites à atuação dos agentes monetários. Eles se consideram raça superior.